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Por um momento, por um dia que fosse, gostaria de me sentir indispensável na vida dos outros. Gostaria de sentir o prazer de uma carícia sincera, um beijo cálido de real afecto. Por alguns segundos, algo me faria sentir definitivo. Único e abrigado.

Claro, nada me deixa esquecer. Não há nada mais além desta vontade; porque é disso que se trata: vontade de retorcer uma condição.

Em vão.

 

Os dias da frescura e abundância sentimental já lá vão. Agora cresce esta fome, esta sede insaciável pelo pouco que consigo conquistar. Talvez não seja dotado de suficiente capacidade e compreenção. Talvez. Mas, e se estiver apenas a colher a tempestade dos ventos dos quais tenho feito semente desde que me lembro como ser racional?

Não é castigo divino. Sou uma criatura que em pouco ou nada acredita. Prefiro antes, aceitar esta ânsia como uma condição. Uma incapacidade de saciedade que nem sempre é compreendida. E se calhar é por isso que respiro ar que não deveria. Que não me pertence.

De súbito tudo mudou de lugar - nada se encontra onde era costume. Pareço um cego a caminhar numa sala desconhecida; batendo com as canelas numa mesa, com a testa num móvel que não deveria ali estar.

E partilho aquele desespero de desconhecer o que fazer. Vejo nos olhos o vazio da falta de esperança quando me olhas e suplicas por uma resposta, que não consigo dar.

É mais fácil perder a noção de destino quando tudo não passa de um borrão escuro. Hoje, como ontem e num outro futuro, gostaria de colocar tudo como antes: em locais onde um cego pudesse caminhar sem se magoar. Tenho a certeza que te seria mais útil.

 

"Algumas pessoas nunca enlouquecem, eles devem ter uma vida verdadeiramente horrível.

Sexo é interessante, mas não é totalmente importante. Eu quero dizer que o sexo não é tão importante (fisicamente) como a excreção. Um homem pode ficar 70 anos sem comer um rabo, mas ele pode morrer numa semana sem o movimento dos intestinos.

 

A vida fode-me, não nos damos bem. Tenho que comê-la pelas beiradas, mas não tudo de uma só vez. É como engolir baldes de merda.

 

Bem, todos morrem um dia, é simples matemática. Nada de novo. A espera é que é um problema.

 

O mundo inteiro é um saco de merdas rasgando-se. Não posso salvá-lo. Sei que nos movemos em direção à miragem, as nossas vidas são desperdiçadas, como as de todo mundo. Eu sei que nove décimos de mim já morreram, mas eu guardo o décimo restante como uma arma.

 

A verdade é que somos umas monstruosidades. Se pudéssemos ver de verdade, saberíamos como somos ridículos com os nossos intestinos retorcidos pelos quais deslizam lentamente as fezes... enquanto nos olhamos nos olhos e dizemos: 'Amo-te'. Fazemos e produzimos uma porção de porcarias, mas não nos peidamos perto de uma pessoa. Tudo tem um fio cómico.

 

Eu gostava do lugar, tinha grandes árvores que davam sombra, e desde que algumas pessoas me haviam dito que eu era feio, preferia sempre a sombra ao sol, a escuridão à luz."

 

Charles Bukowski

Amar?

 

Para mim já nem se trata de ficar nú ou ficar a ver o pôr-de-sol.

Trata-se antes de me agarrar a alguém que não se irá embora quando lhe mostro o que sou. Ou como me sinto quando estou só e posso pensar.

Já não se trata de agarrar mãos, de andar de braço dado. É antes falar e ser escutado, sem me sentir desconfortável. Vulnerável. Mesmo quando um arrepio me percorre a espinha. Por razões que desconheço.

 

 

 

Toda a gente tenta arranjar um motivo para se erguer da cama. Todos os dias. Todos tentam obter uma razão para o fazer.

Alguns levantam-se da cama apenas por um beijo. E uma chávena de café, pouco mais.

Outros vão trabalhar e no caminho deixam as crianças na escola. Ou então, sonâmbulos, caminham para as faculdades. Para encontros de suposto amor ...

 

Outros, não.

São os que mais precisam e não têm. Motivos para se erguerem da cama, todos dias.

Não têm um comboio para apanhar. Uma mão para segurar.

Não têm nenhuma razão para se levantarem.

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Sabem que eu noto tudo? ...

 

Tudo...


Noto quando alguém desiste de mim, quando pára  de tentar açoitar-me. Domesticar. Noto, quando a força dos seus gestos e palavras vai esmorecendo.

Eu noto quando alguém muda o seu tom de voz ao falar comigo. Quando começam a mudar nas sua atitudes. Vou notando e observando como mudam nas pequenas coisas. A diferença das pequenas coisas, sabem? As pequenas coisas que fazem e as pequenas coisas que faziam.

Eu noto quando algo muda ao meu redor. Quando se torna em algo que não era.

Observo os pequenos, diminutos pormenores; detalhes de quem muda.


E não digo nada,


( não vale a pena ...)


 

 

 

 

 

Creio que foi por volta dos 5/6  anos que me afirmaram que "os homens não choram"; a partir desta altura a noção de que os homens não choram ou não devem chorar, choveu de todos os lados. Dos pais, dos amigos e dos professores. E sei que aprendi a aceitar esta noção. Não porque achasse que estava realmente certa - ainda hoje não acho que esteja certa. Mas sei que aceitei esta noção, embora forçado, aceitei.

E a prova de que aceitei o miserável  facto de não chorar nunca, por nada, surgiu durante cada briga na escola, no liceu. Durante cada murro que recebia e dava. Durante cada desilusão que me era atirada à cara. Vencer era chegar ao fim sem chorar. Mesmo que sangrasse e tivesse feito sangrar. Se eu não chorasse, tinha vencido. Não se tratava de uma vitória moral. Para mim, chorar era admitir um sentimento de fraqueza, derrota.

 

Hoje sei  que os homens choram. Tenho visto alguns que o fazem. E não acho fraqueza ou derrota. Mas eu continuo a não o fazer. Um bloqueio mental", já me disseram. "Precisas de olhar a vida de outra maneira, chorar faz bem", oiço isto tantas  vezes. No entanto não verto uma lágrima. Mesmo no mais profundo desespero, tudo o que me desperta é a rugosidade de uma casca de noz.

A sensação mais estranha é um contrasenso: não choro para não ser fraco, mas sinto-me cruelmente frágil. Abano por todos os alicerces.

 

 

Penso nas mortes que se anunciam, que se avistam ao longe.

Quando alguém se senta à minha frente e mete o cigarro nos lábios; depois hesita, indeciso ou absorto, acabando por guarda-lo de novo. Dentro do maço de letras vermelhas.

Também vejo como se chegam para a  frente, educadamente. Numa mesa ornamentada com os talheres obssessivamente alinhados. E olham para os copos e para o vinho. Nos olhos o desejo achatado por vergonha.

Por vezes, o poço está ali; mesmo em frente. O desejo de  saltar faísca, e no entanto vive-se. Hoje, pelo menos. Vivem.

Durante anos, retemos a faculdade de esquecer que o caminho para o abismo/morte está próximo. O tempo que decorre entre o nascimento e o fim serve apenas para alimentar os sonhos de eternidade.

 

E chego à conclusão  de que fui criado na crença de um karma. Um destino traçado. Que  existe o mal e o bem. Que o mal é exterior, é o corpo que se corrompe. Que o bem é interior, a alma. A luz. E no entanto

...

Sou um só. Apenas eu. A caminho de um fim.

Agora imaginem que me encontro nú, perante todos. Que insisto em escrever o que sinto. E que mesmo assim me estou a esvair em  sangue. Que caio, exausto, sem conseguir escrever algo que me salve ou redima. É no entanto, como me sinto. Cansado, a perder sangue e despido. À beira do colapso.

"ninguém poderá construir em teu lugar as pontes que precisarás  passar para atravessar o rio da vida, ninguém excepto tu, somente tu. Existem por certo, inúmeras verdades e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te ao outro lado do rio; mas isto te custará a tua própria pessoa, tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Para onde leva? Não perguntes, segue-o" (F. Nietzsche)


"Se a História tivesse uma finalidade, como seria lamentável o destino daqueles que, como nós, nada fizeram da vida. Mas no meio do absurdo geral, nos erguemos triunfantes, nulidades ineficazes, canalhas orgulhosos de haver tido razão.


Quem nunca contradisse os seus instintos, quem nunca se impôs um longo período de ascese sexual ou desconheça por completo as depravações da abstinência, será completamente alheio tanto à linguagem do crime como à do êxtase; jamais compreenderá as obsessões do marquês de Sade ou as de São João da Cruz.


Se as tardes dominicais fossem prolongadas durante meses, o que seria da humanidade, emancipada do suor, livre do peso da primeira maldição? A experiência valeria a pena. É mais do que provável que o crime se tornasse a única diversão, que a devassidão parecesse candura, o uivo melodia e o escárnio ternura. A sensação da imensidade do tempo faria de cada segundo um intolerável suplício, um pelotão de execução capital. Nos corações mais imbuídos de poesia se instalaria um canibalismo estragado e uma tristeza de hiena; os patíbulos e os carrascos extinguir-se-iam de langor; as igrejas e os bordéis explodiriam de suspiros. O universo transformado em tarde de domingo… é a definição do tédio – e o fim do universo… (…) Como matar de outra maneira este tempo que já não flui? Nestes domingos intermináveis, a dor de ser manifesta-se plenamente."

( E. M. Cioran)

 

Temos esta estranha capacidade para sofrer. Em qualquer acto nosso de criação é possivel ver esta nossa "vocação para o sofrimento". Caminhamos em duas pernas, orgulhosos do facto e da certeza de sermos superiores, quando nada mais fizemos do que nos tornarmos frágeis. Sem apoio. Todos os dias me é possivel testemunhar as minhas falhas, que são minhas e no entanto iguais às dos outros. A fraqueza de espirito, a anemia dos conceitos que me foi passada por outras gerações, provém da culpa e da incapacidade de quem me criou. Quem me fez nascer e crescer num  mundo descartável. Para mim, reles criatura que ainda consegue respirar, este foi um património que não pedi. E contra o qual não consigo lutar - mesmo que este ódio cresça todos os dias. Mesmo que saiba que outros também carregam esta peste. Não quero saber. Não me interessam as canções do mundo nem o seu amor destoado. Nunca quis este fardo. E porque é que não termino, desde logo, com a minha existência? Porque me sei perfeitamente capaz de o fazer. E porque me falta esse último passo.

 

Não consigo encontrar, nesta nova realidade, um modelo a seguir. Um único ser humano com quem possa sentir a total proximidade. Mesmo os que se acham mais longe e melhores, rastejam. São como eu: vermes pálidos com medo da escuridão.

Tudo, mas tudo o que desejo é descabido e sem aceitação por parte dos outros. E afinal, são da mesma estirpe! Ainda que se proclamem diferentes. Ainda que se achem acima.

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