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Pergunto, é o desespero algo verdadeiramente errado? A mim sempre me pareceu uma condição natural desde que caminho e tenho consciência. Afinal, não é o que fica após a primeira surpresa de olhar em volta? Senão repetições e a sensação de ficar cada vez mais pequeno? E a quem é que interessa continuar nesta existência? Um qualquer excêntrico? Um crente em paraísos de luz? Eu não. A verdade é que eu tenho sempre ansiado por um pouco de sossego. Porque acho ser merecido e mesmo que fosse uma pequena recompensa por tudo, seria aceite e bem-vinda. Mas não. Claro que não. Começo a achar que as virtudes que me ensinaram na faculdade, das quais os meus pais tanto se orgulham, fazem parte daquele léxico deformado e aberrante. Só somos sensatos porque poupamos os outros aos desgosto de lhes voltar as costas. Quando imaginamos estar a ser responsáveis, estamos apenas e só a ser cobardes idiotas. E sim, o tão famoso realismo que o pai e a mâezinha nos quis incutir desde sempre é apenas uma das mais frias maneiras de evitar as coisas, em vez de as enfrentar .

 

Dim

Por estes dias eu acredito piamente que afinal não sou o único a sofrer o desgaste e a desilusão. De uma forma ou outra, como é que isso não é óbvio? É mais do que evidente, porque não vivo num mundo de pais perfeitos, parentes solidários e vizinhos leais. Mas o mais patético é a forma como vejo as pessoas a lidarem com o desgosto e a desilusão. Como o admitem ou escondem. Alguns aceitam  a desilusão e tentam mitiga-la, tentando arranjar luz onde ela não brilha; há os que tentam ajudar os outros nas suas desilusões e desgostos, para poderem evitar o que é seu por direito: a mesma noção de desapontamento e tristes constatações. Porém, é bem mais perigoso aquele que tenta evitar ser desiludido e desapontado, a qualquer custo. São os mais crueis, implacáveis e aqueles que mais atenção merecem.

Corre muitas vezes pelo meu pensamento a questão do remorso, e se sofro realmente dele. Por alguma razão, eu não sofro de dolorosas lembranças dos tempos de criança inocente. Não tenho grande empatia pela recordação de amigos de escola, do primeiro beijo ou da primeira paixão. Não consigo enaltecer esses tempos, embora esteja marcado distintamente. Encaro essas marcas nas tatuagens do meu corpo e vislumbro-as todas os dia ao espelho, como marcas de guerra. Memórias cruéis de erros e que decidi perpetuar na minha pele.

No entanto não sinto vontade de me arrepender. Não tenho interesse em corrigir os meus erros, se calhar por egoísmo. Se calhar por estar cansado. Mas existe algo mais profundo que tem crescido comigo. Um sentimento que se instalou e que acho mil vezes mais doloroso: nostalgia. Uma dolorosa vontade de reviver palavras, locais e olhares. Algo tão próprio de alguém como eu, incapaz de fugir ao que realmente sou.

 

Talvez nas margens desta escuridão eu pudesse criar um paraiso real, que realmente fosse verdadeiro; não apenas um local perdido. Creio que teria de ser para além da minha imaginação e razão: onde pudesse florescer a lúxuria, a minha estupidez e invenção. Por onde arrastasse a minha culpa e toda a minha força. Assim sei que esse paraiso se tornaria tão imensamente forte! Quase se torna impossivel anticipar isto, porque afinal carrego o fardo de ver o mundo como realmente é.

 

Eu preciso de dormir e sonhar no meio dos rios. Não preciso de acordar em manhãs sem motivo para despertar. E não consigo acreditar o quanto díficil se está a tornar manter-me por cá! É um triste facto, que por estes dias eu só consiga avançar e persistir por estes lados e ambientes quando penso: Merda! Merda! Vão todos à merda! Foda-se! Vão-se todos foder! Morram!!

... E não me interessa viver pelas luzes. Não quero tracejar no teu céu nem no meu, as constelações que guiam os navios perdidos na noite.

Só me interessa estar perdido. Observar-me perdido por horas a fio. Por dias e por meses. Até por muitos anos - tantos quantos viva.

Depois, que mais poderei dizer? Que sou louco por coisas e pessoas perdidas e fora do seu tempo. Pessoas esquecidas pelo tempo e por tudo o resto. Que apesar de todo o carinho por elas sentido, apesar de toda a luz nelas focada, sempre arranjam maneira de se esfumarem e tornarem sombras aos olhos de todos. Conseguem desvanecer-se da vista e passar despercebidas aos beijos e ás palavras de afecto.

 

Anticipar a gentileza nos olhos, que me permita sonhar que mesmo estando errado, alguém precisa de mim. Por mim e como sou. Que grite alto e bem alto, "chega!". Que repita até ao cansaço, "chega, ouviste? Basta!". A alma ficará cheia, a nossa idade será grandiosa e repleta de certeza. Anticipar o riso que se foi embora. Morrer em paz.

Algumas recordações assombram muitas vezes os meus dias. Uma persistente vontade de partir. E como tantas vezes tenho feito, voltar a caminhar pela neve branca como cristal. Longe. No norte da europa. A norte de tudo o que me rodeia.

Voltar a andar pela praia gelada, apenas a ouvir o som do vento frio agreste. Apenas a escutar os passos das minhas botas pesadas. Onde a noite dura meses e os dias de sol não aquecem. São uma miragem.

Estranho, não é? Esta devoção aos "fjords" gelados em oposição ás terras de calor e aos climas de verão. Como me esmagam e matam de saudades, as memórias dos dias que lá passo! Talvez porque sejam porto de abrigo. Novas cores e também estranhas viagens da alma. Acima do sentimento de solidão que busco, para além da noção da finitude - do quanto inferiores somos em relação a tudo - é o tremor e a anticipação de poder pensar e respirar!

 

Ou então, talvez tudo isso seja revelador desta paixão pelo que não consigo ver. Se calhar a escuridão não nasceu para ser recordada. E por consequência retalha e perfura profundamente, obrigando a mergulhar ainda mais fundo nela. É uma depêndencia da qual nunca me canso. Uma escuridão que nunca me satisfaz. Acontece porque algo é retirado para que ela possa ser aceite. Invariávelmente.




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