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Seria como é óbvio  de esperar mais. Um pouco mais de resistência, noção que afinal sempre pareceu ser a sua vontade de teste. Testar as fronteiras de tolerância e paciência de outros escolhidos. Mas provavelmente a sua natureza é mais próxima dos que querem comer mais do que realmente conseguem. Um esbugalhar de olhos perante um repasto que eventualmente termina cedo e sem sabor.

 

O que mais se torna patético reside nas sucessivas retiradas que se assemelham a algo estratégico e não são mais do que admissões de culpa e pior, covardia, é que não existe outra maneira de olhar o assunto do que pender para uma vista de algo pequeno e agora ermo. Devastado por algo superior e que tristemente pensava conseguir combater absorvendo. É irónico que se pretenda outra coisa que não a de gastar tempo num divertimento que sabemos curto. Possivelmente, seria mais sábio destroçar em pequenas doses para que a duração fosse mais longa.

 

Mas posso esperar sempre mais. Que seja uma serpente e que estas fugas em frente sejam um retiro para uma taciturna mudança de pele. Porque esse desfazer de casca velha leva dias que podem ser usados a congeminar e a remoer. E depois, se a serpente envelheceu, porque é lei das coisas, a mudança de casca é ainda mais lenta. Por isso, fica entre restos no buraco fechado.

 

E calha até que eu só veja e atente no que é mais escuro e em relação aos que se acham feras insondáveis, intragáveis e enfezadas, forças de natureza fantasiosa, poderia eventualmente ser mais brando e aceitar que é bem possível que estejam já dançando no espírito de natal. Sim. Pode bem ser isso. Uma retirada após mais uma punição que assim sempre se pode pensar em mais doces e prendas para os queridos. Uma coisa pode bem levar a outra porque sei que gostam de comer doces e é um facto consumado: o excesso de doces não engorda apenas, administra belas doses de letargia mental e física. E aqui não é apenas questão de mudar a casca velha. É também acção de digestão.

 

Mas eu esperava melhor e muito mais. Eis que me sinto desapontado. Talvez seja também hora de fechar este blog.

Todos os dias é o mesmo. Sempre que me retiro para aquela casa onde os dias se passam lentamente. 

 

Gosto de me levantar cedo. Antes do amanhecer, quando começa a clarear, naquela orla temporal em que a noite escura como breu se afasta e a manhã, que sei irá ser fria e cinzenta, regressa. Sento-me no alpendre na cadeira que baloiça. Ponho os pés em cima do suporte mesmo em frente. Na mesa ao lado a chávena de café negro a escaldar. Em espera.

 

Mesmo em frente a mim, do outro lado da rua, abre-se a porta de entrada da casa amarela. O muro que rodeia esta habitação é baixo e é possível observar com clareza o que se passa. O frio cortante como navalhas e o cinzento do dia são um postal surreal. E sou compelido a olhar enquanto vou lentamente enterrando o queixo na gola do meu grosso casaco.

 

Uma figura alta e esguia sai da casa amarela. O olhar fixo por cima de um grosso bigode branco e um porte estranhamente firme são as únicas evidências de vida nesta estranha pessoa. Não olha em volta e se acha estar ser observado nada o confirma. Percorre os poucos metros até à pequena estufa envidraçada e enquanto esfrega os pés no tapete de entrada abre a porta. Os reflexos prateados da manhã de chumbo cobrem os vidros e quando entra apenas consigo vislumbrar o seu deslocar entre canteiros de flores e sei perfeitamente para onde se dirige.

 

Apuro o olhar e o esforço de atenção provoca-me dores cabeça. O homem pára em frente às rosas. Durante alguns segundos parece rezar como se estivesse diante de uma sepultura. Depois, com uma estranha agilidade, coloca um joelho no chão e baixa a cabeça num sinal de absorto respeito e devoção. Durante longos minutos apenas vejo as suas costas e a sua cabeça inclinada para a frente enquanto ajoelhado. 

 

Por fim ergue-se de novo. Mesmo de costas e ainda que os brilhos matinais rasguem os vidros da estufa, sei exatamente o que sucederá a seguir. E atento, como se estivesse num estranho e cinzento mundo, ao que faz esta criatura de hábitos surreais. Quando está novamente de pé, sempre voltado para as rosas, levanta a gola do casaco comprido e enquanto executa esta manobra vai girando a cabeça para um lado e para outro como se fosse um parafuso a enroscar. Segundos depois, que a mim se assemelham a eternidade, estica as costas e parece tornar-se maior. Um aceno para as rosas final e sai da estufa. 

 

Chega ao portão de saída para a estrada. Vira para a sua direita e enterra as mãos nos bolsos do casaco enquanto baixa a cabeça contra o frio. Parece agora mais pequeno e desinteressado do que o rodeia. 

 

Um destes dias vou levantar-me da cadeira de baloiço e deixar a chávena de café que fica sempre frio. Gostaria de caminhar ao lado deste homem. Mesmo que fosse em silêncio sepulcral. Mas se tiver o privilégio de ostentar algumas palavras vou perguntar sobre a veracidade do que penso quando entra naquela estufa. Calarei no entanto a fuga do seu gato de dez anos para nunca mais ser visto quando foi confirmada a morte da dona.

Isto sou eu. Apenas a minha perspetiva pessoal. E sou o que sou.

 

É certo que outras pessoas se tornam necessárias para poder viver. Mas não consigo adaptar a ideia que é essencial estar acompanhado para poder ultrapassar certos obstáculos. Por muito que tente. A incapacidade de encarar uma solução para o que se apresenta sem ter ajuda de outras pessoas sempre me pareceu algo estranho. Sinceramente.

 

A ideia do lobo solitário que tudo enfrenta longe do mundo é uma estupidez. Não sou uma ilha e nem sequer imagino que seja. Mas a reação imediata perante coisas e atos que me são atirados é normalmente traduzida no pensamento solitário. Em vez de procurar ajuda de outras pessoas encaro isso como um desafio pessoal. E como? Porque odeio a palavra motivação. Esta tola palavra tão usada por tanta gente que sinceramente não compreende muito bem o que é uma batalha constante, tornou-se num preceito que tudo parece desculpar.

 

Para mim não se trata de motivação. Antes disciplina. Sempre achei as soluções de todos o meus erros e decisões acertadas na disciplina. Mesmo quando o panorama é negro e as notícias não são as melhores. Por isto tenho extrema dificuldade em aceitar lideranças. Pior ainda no que se refere a mim. Sei que muitas são as vezes em que tenho de aceitar o que outros dizem e decidem. No entanto, também sei que no final do dia a responsabilidade é minha e só minha. Se isso significa levantar-me mais cedo, trabalhar mais horas, será seguramente feito. Executado sem pestanejar.

 

Mesmo perante supostas inevitabilidades, apresentadas com o celeuma de quem acha ter o definitivo na mão e assim esfregar na minha cara. Não preciso realmente de quem comande. Não necessito de uma presença física de liderança. Embora saiba e conviva com isso todos os dias. Não sou um dos que segue cegamente e acata sem questões. E depois, são raras as pessoas que pensam como eu. E vice-versa. Conheço quem se aproxime, esteja quase lá. Mas não é possível. Até porque tudo se revelaria uma perda de tempo. Perda de vida.

 

Deixou de haver heróis. O que acredito ser grandeza não se mede por medalhas, dinheiro e muito menos opinião pública. Imagino a grandeza como felicidade e liberdade. Simples e complexo. Muito. Tento espremer todas a inutilidades que me rodeiam. Todo o barulho e todas as noções inúteis. Corrói e mata lentamente. Sei de quem pura e simplesmente não consegue lidar com esta realidade. Não censuro nem lamento por esses.

 

Disseram-me que era impossível!

 

Mentiram.

 

Disseram-me que era suicídio!

 

Nunca o foi.

 

Disseram-me que morreria esmagado.

 

Falharam.

 

Disseram-me que a natureza assim quis! Que nada havia a ser feito.

 

Mentiram com todos o dentes!

 

Disseram-me que falharia!

 

Procurei a força. Encontrei-a.

 

Disseram-me que não era grave a fraqueza física.

 

Recusei a debilidade tão dolorosa ...

 

E principalmente disseram-me:

 

" em poucos anos espero que tenhas dinheiro para uma bela cadeira de rodas, porque da maneira que te dobras, vais precisar... se calhar um milagre ..."

 

Não existem milagres. Apenas uma resposta: Vão-se foder!

 

 

 

O que é que destinge os seres humanos? O que é que afasta as dúvidas em relação ao facto, que tantos e tantos pretendem negar, de que haverá sempre os que são mais mundanos e básicos nas suas questões  e os que se elevam sistematicamente acima desta secção inferior? Não se trata da cor da pele ou do aspecto físico. Não se trata do sexo. Apenas duas importantes características que materializam um universo.

 

A paciência:

 

A capacidade de uma minoria aceitar como dado objectivo e cientifico que, infelizmente, todos temos de lidar com o espaço ocupado por alarvidades criadas e atiradas ao mundo com a única ideia de povoar e encher o planeta. O ter a noção precisa e fria de que não existe, por parte desta turba que se amontoa e suja, qualquer hipótese de convivência geral senão com os da sua própria espécie. Por isso existe a necessidade imperiosa de ter paciência e não dar demasiada atenção a quem por uma lei natural contrariada pelos avanços da medicina e para o qual nada contribuíram, deveria ter sido vitimada por um aborto espontâneo e assim desocupar espaço. A mais clara das razões reside na capacidade de pacientemente ir demolindo os alicerces desta maioria de inúteis.

 

A imbecilidade militante:

 

Porque se tratam de genuínos imbecis, é preciso que isto se transforme numa distinção marcante. E como são cretinas certas manchas ditas humanas! Incapazes de perceber o seu verdadeiro lugar na hierarquia existencial. É nesta imbecilidade transbordante que tudo o que possivelmente poderia ser harmonia se desagrega. São preconceituosas, mentirosas, incapazes e extensamente gabarolas. Existem porque sim. Porque são excessivamente estúpidas para vislumbrar o óbvio. Como o cretino que bate na parede uma e duas vezes. Por tentativas. Pode ser que assim se torne diferente. É esta maioria de imbecis disponíveis para tudo que gravita em cores sempre claras. Que almeja pouco. Não mais do que o habitual. A imbecilidade militante, pior do que a ignorância de factos, é uma distinção perfeita e implacável. Os imbecis existem, mas não são imunes à realidade pura e dura. Servem apenas de apoio e suporte para que um minoria suba acima. Mesmo que suponham dispor das forças da natureza.

Não.

A personalidade desbotada engendra teorias para o seu próprio divertimento. Para que possa viver e suscitar alguma emoção aos dias em que absorta em si mesma chega a negras conclusões. Duras e implacáveis certezas de apagamento. Realidades postas em perspetiva que ferem a personalidade já de si moribunda. Mas persiste! E insiste em tentar mais um fôlego, nem que seja pela esperança ilusória. Porque nada será o que quer que seja. Lamenta-se por isso.

 

A personalidade desbotada, rigorosamente castrada de outra coisa que não  apenas ir vivendo os dias em atenta espera, congemina teorias de conspiração. Nem que seja pelo mero facto de assim, só desta maneira, conseguir sentir um ar de vida pessoal. Bandos sagazes de conspiradores, qual corte infernal do grande Azazel, trabalham dia e noite  se calhar mais à noite, que os demónios odeiam a luz dos dias que iluminam a sua beatitude , conspirando, dançando em orgias à volta de um fogo monstro e roendo intrigas e ódios contra a sua santa, embora desbotada, pessoa.

 

Creio que Azazel não se preocupa com as teorias mundanas de conspiração. Principalmente quando anseia destronar o pai criador. Porque a desbotada é pequena. Do tamanho microscópico, não deveria preocupar sua alteza infernal. Mas fala-se de algo semelhante a um culto. Bando de vorazes anjos caídos que apenas deseja a queda aos infernos da personalidade desbotada.

 

Tudo conspira na sombra. Tudo! Contra si. E porque será, se nunca maculou uma erva que seja? Se jamais atacou quem quer que fosse! Se em toda a sua miserável existência apenas pretendeu dar amor sem esperar retribuição. Onde está a justiça da providência que castigue severamente tamanhas ofensas dirigidas contra quem nada, mesmo nada fez para merecer isto? 

 

E espera. Antecipa. Deseja ardentemente a danação de todos. Muito embora no seu intimo distorcido pelas chagas de decisões, atitudes e pensamentos errados que a transformaram numa mártir de absurda e incompetente estupidez, saiba que toda esta teoria é apenas mentora de sobrevivência. Quando deixarem de lhe dar um pouco de atenção, morrerá. Como merece. Seca e imprestável. Longe da gorda difamadora que existe agora no seu poleiro.

 

A personalidade desbotada clama por respeito. Acção que não nutre pelos outros. Imagina uma luta descomunal, sentindo-se pequena num mundo de gigantes. Mas realmente? Está só não por orgulho e vigor. Por crença. Está apenas só porque é uma criatura de hábitos previsível e incapaz de gerar algo inteligente. Por isso recebe ódio e abnegado desprezo.

 

Sejamos pragmáticos até ao absurdo. 

 

Aceito que sintam ciúmes de mim. Nada de anormal. Aceito que sintam raiva pelas palavras que troco com outras pessoas, quando estas se reduzem à insignificância que é sua por direito. Aceito que, por mais do que uma vez, pessoas tenham sido prejudicadas por falarem comigo. Sequer por comentarem o que escrevo com agrado. Nada se revela mais previsível ( doce, sempre doce Pavlov!) do que o remoer das pessoas incompetentes, banais e ciumentas pelo que nunca tiveram e nunca terão: a minha disponibilidade.

 

A mente de certas criaturas, maciçamente incompetentes para lidar com as desilusões de uma vida a terminar e que, insisto, nada de concreto produziu para além de uma pequena prole que não sei se vingará onde elas próprias, mesmo com imenso esforço são nulas, é um campo perfeito para dissecar banalidades. O ciúme reside exactamente numa banalidade que estes seres não aceitam. Não são superiores. São inferiores a tudo o resto. São estes que consomem o que outros duramente produzem. Anos a fio a absorver sem retorno. Chego à conclusão que não são merecedores do meu ódio. É algo mais triste e desolador. Merecem a contemplação dada aos desvalidos falhos de capacidade verdadeiramente racional. Comem e dão sorrisos. Desejam bom natal e sentem o ciúme. 

 

Creio que afinal se reza muito, em certas existências. Creio até que se de deveria beatificar as suas carcaças na morte. É indesmentível um certo exalar de casta santidade.

 

A mim sempre me intrigou o que ruminará na cabeça de uma criatura bem pensante quando decide deixar que uma fotografia lhe seja tirada assumindo para isso uma postura que desde logo me aparece como sinistra. Ou antes direi: com uma certa e desesperante languidez. Coisas minhas, creio.

 

Mas pior que languidez, roçando o exasperante, é o jeito  angelical trapaceiro. O forçar do sorriso e logo acima um olhar falsamente encantado, porque os lábios simulam o riso mas os olhos revelam a mentira e a falta de humor. Isto é tão falsamente imposto para a fotografia que roça aquele grotesco embaraçoso e descarado.

 

A própria descontração com que certos seres olham em frente para uma câmara, descaindo o corpo, como que cansadas por labutas inenarráveis que apenas a sua própria essência entende, é profundamente revelador do impossível que é aceitar certas imagens. Por muito campestre e gracioso que se pretenda, é apenas revelador de que outra postura não é conhecida. Apenas a de encantamento. Repetida. Sempre repetida.

 

Mas o que realmente concentra a minha atenção, quando tal sucede, são as mãos. As mãos dizem-me muito sobre outra criatura que respira. E quando parecem clamar por preces, rodeadas por um corpo vestido com trejeitos de um conservadorismo irritante, ainda mais. As mãos juntas, enroscadas uma na outra, perante um sorriso artificial simulam uma criatura distorcidamente angelical, mais parecendo vitima de uma pulsátil dose de opiáceos. São os simulacros de falso humor. As falsas poses de harmonia interior que se revelam inúteis aos olhos de quem atenta nestes pormenores. Até porque a verdadeira paz interior, que inúmeras criaturas iguais, pretendem espalhar não existe. É apenas mais uma queda livre.

 

Intriga-me claro. Que se exiba tamanha incapacidade de olhar o mais do que óbvio. Não engana. Não desafia e muito menos cativa. E então quando essa imagem corresponde ao meu pensamento, isso é ainda mais triste.

 

Existe uma linha fina e tão dolorosamente ténue entre a força real de carácter e a simples ilusão de força interna. Antes interior porque a física, movida por ossos e tendões é para a maioria um dado adquirido. Esta fina linha que atravessa a potência mental revela-se não por gabarolice barata, mas por atitudes e posições. Não pela ameaça inútil e monótona de quem, por razões mais do que notáveis, se sabe possuir apenas o mais básico para subsistir neste planeta. Quem tem a potência interna calibrada para levantar o queixo todos os dias não necessita de o proferir em destemperadas vénias. É a diferença entre o Alfa e o Ómega. Para os gabarolas baratos a força está no começo de tudo. Na ilusão de que são lideres e exemplificam a força. Mas realmente é no fim que se constata quem a natureza na sua essência mais fascista e insensível, escolheu para sobreviver para além da pilhéria que é fingir fugir à destruição.

 

Alfa e Ómega muito acima da falsa vitimização. Não me iludo, há os que são vitimas reais e estes são os que respeito. Não escolheram ser. Lutam para não o ser. Oposto aos que todos os dias de uma vivência revelada em todo o seu esplendor, demasiado triste e cadavérica para satisfazer o seu dia a dia, gritam e proclamam a sua vitimização. Não reconhecendo que são caça porque escolheram ser. Porque são minuciosos neste clamar de perseguição e arrastar de correntes sempre com um olho estrábico a tentar ver o caminho e ao mesmo tempo morder os outros.

São duas maneiras de vida para mim. Duas formas de respirar vida. Respiro na minha paixão por viajar. Na maior parte das vezes sem destino determinado. Apenas faço o plano inicial da jornada. Depois ainda sou dos viajantes que vive a viagem por viver. Pelo sabor de encontrar os ventos nórdicos ou o calor africano. Quantas vezes sem a previsão de regresso? Perdi a conta. E creio que haverá um dia em que pura e simplesmente não regressarei.

 

Uma outra forma de respiração, esta bem mais primária e visceral corporiza o mergulho aquático. Nada do que eu possa escrever consegue esboçar a paixão que me consome neste acto. Desde que me recordo das coisas, onde a razão fomentou os meus pensamentos, que a água me hipnotiza ao ponto da divagação total. O mergulho foi sempre uma consequência, obrigação, absoluta. Nada se lhe pode comparar e pouco me prende a determinação como este eclipsar nas correntes.

 

Entre os velhos mergulhadores, traquejados por incontáveis descidas ao mar e outras tantas incapacidades de relatar por palavras as canções que embalam as ondas e os seus caprichos, é costume venerar esta paixão ao ponto de acender o ciúme de quem pensa ser dono ou dona do seu coração. E entre saudações após mais uma viagem sem nos levar em seu peito, é firme a crença de pertença a uma mãe comum. Porque debaixo da água estamos no ventre materno. Regressamos ao inicio. Entre liquido que se agita ou silêncio pensativo esbracejamos e pontapeamos também. Giramos também e é possível ouvir os batimentos do coração materno na rebentação das ondas e na circulação das correntes. Quando voltamos à superfície é como sair desse ventre, dessa protecção e sentimos necessidade de respirar em golfadas. Por vezes, quando a viagem é desde logo inesquecível, invade-nos a vontade de chorar porque não voltaremos a testemunhar nada igual. Sim, voltaremos ao seu ventre. Mas tudo será diferente.

 

É entre as massas geladas dos Fiordes nórdicos, entre os seus labirintos brancos onde a luz apenas se estende fina e precisa que mais vivo e me apaixono de morte. Onde a escuridão se torna sólida e palpável. Onde o ventre materno se apressa a esconder os nosso corpos e o branco pode cegar as emoções. Aqui é frio muito para lá do agreste. Nestas paredes estéreis de gelo absoluto reina um silêncio descomunal! Um teste aos solitários porque já testemunhei muitos que acham poder conviver pacatamente com a solidão cederem ao silêncio e sinistro deslumbrar destes mares.

 

Acho que é desta paixão doentia e carnívora que nasceu esta obsessão com a solidão e a escuridão. Perante este estranho universo onde nada é o que parece. Apenas Caos primordial. 

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