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A alma permanece acólita do Druida. Pelo menos é como lhe chamo e persisto. Mesmo que haja quem me informe desconhecer por onde caminha ele. Porque escolhe essas escarpas, quando tão fácil seria o voo rasante. O Druida é caminhante entre destroços.
Mas eu chamo-lhe Druida e ele não o nega. Sorri em desvelo enquanto o vento agita a imensa barba branca que lhe cobre o rosto ossudo. Esfrega as mãos ásperas e ergue as sobrancelhas espessas e pálidas pela idade. O Druida não me confirma os seus anos. Nem tantos outros que o conhecem há décadas.
Os olhos ficam vermelhos enquanto o Druida consulta o seu Bong. Afasta com desprimor a farta cabeleira cuja cor me recorda a lua. Conhece os segredos universais pelo seu cachimbo de água enquanto une e volta a separar as raízes da alma - da sua alma. O Druida tem a alma profana mas fala com os deuses. Olhos nos olhos. E afirma com a certeza das escaras que não existe inferno algum! E o paraíso acaba por se tornar uma merda!
Eu gosto de chamar as coisas pelos seus nomes. E as pessoas são como as coisas, precisam de ter nome. Necessitam de ser chamadas. Mesmo que estejam a morrer o nome é a última coisa a ficar. Por isso chamo-lhe Druida. Entre outros nomes - tantos que ele mesmo os desconhece. Ou não. O seu Bong ajuda a desfiar a décadas e os nomes. O fumo abraça o vidro enquanto o homem entoa algo semelhante a uma aurora de notas. As suas botas pesadas marcam o passo da melodia e o pó das estrelas está diante de si - a um esticar de braço.
Ele sabe dos dias de solstício invernal. Ampara a liberdade das noites em serena liberdade. E prefere a companhia dos gatos que se aquecem contra o seu corpo. Em longas horas fica atento ao crepitar decadente da alma humana. Por isso se deixa embalar pela ilusão de solidão.
O Druida revela-se deus. Enquanto solta uma imensa baforada pelo nariz e entre os lábios, encosto a cabeça à parede para ouvir as virtudes de um sol que se transformou em réptil e se arrasta atrás da raça humana. Um Sol sem pés e escamoso. Inóspito e de sangue - frio.