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Irmãos ...
Que estranho êxtase esse! Por estranhos vapores e incensos, homens pensaram e decidiram a santidade. Eis! A vossa santa presença em quimeras onde outrora vagueavam pastores desconhecendo os mistérios do universo - que não se importa com os santos. Nem vislumbra milagres. Nem respira as devoções que se banham na utopia da glorificação.
Sabeis, irmãos ...
Que me visto com rigor em ocasiões solenes? Na vossa morte criada e nutrida por visões e segredos atestados por velhos senhores, enquanto vão arrastando as sotainas nas pedras de monumentos há séculos mortos. Pelo vosso segredar ajoelhado e dedos entrelaçados aguardando o vazio do esplendor beato. Visto-me com rigor.
Pelo branco que se aceita limpo ou antes o negro do puritano, sabeis ...
Que não vos vejo em celeste redenção? Que me julgueis caído e em comunhão com outros e cego! Porque não consigo deixar de perguntar e julgar vosso ungir, perdido que estou, ante a vossa estéril cama.
Que estranho êxtase esse, irmãos ...
Cego e surdo ao que se aproxima.
Georges Bataille escreveu, que neste mundo apenas temos duas grandes certezas: que não somos tudo e que iremos morrer. Aprendi isto, de maneira insofismável e dolorosa quando deixei de procurar uma luz ao fundo do túnel e acreditei que a resposta estava no lado oposto. Na escuridão. O esclarecimento que tem toldado a minha visão, porque se tratam de respostas que nunca pensei encontrar num universo tão afastado da visão normal das coisas, muito seguramente não me levou para o meio de quatro paredes brancas e almofadadas porque mantenho a razão como alicerce céptico. Ainda ...
Estou, há anos, longe da crença de raiz angelical e de um paraíso acima da minha cabeça. Apenas porque sempre me custou aceitar a visão de quem nunca olhou para o seu semelhante de igual forma. O seu Deus é grande! E tudo o resto vacila aos seus pés. Porém, não existem respostas para vagabundos como eu. E nunca tive medo de olhar para outro lado. Pela recusa de ser ovelha e olhar para um rebanho em desespero de causa.
Foi na escuridão, longe da claustrofobia supersticiosa, que encontrei uma saída. Muito embora, ainda não tenha saído, porque me recuso a sair sem absorver tudo o que consiga. Mesmo que, por gula, venha a afundar-me. Preciso. Necessito disso.
Bem longe do alegre viver de tantas criaturas. Contentes por uma pequena migalha. Ainda que eu saiba ser comum a tantos outros, pelo menos em futura velhice e mortalidade certa. Reconheço, no entanto, a desilusão. A oposição a uma luz opaca de um santo padre que não consegue iluminar a mente de ninguém. E por estranho que pareça, as conclusões não me assustam.
Não vejo nada a ganhar ou perder na convivência humana. Ainda estou para ver algo que seja realmente permanente; pelo menos perante o olhar inquisidor do tempo. A vontade de encontrar respostas num mundo para além do universo físico será sempre uma barreira para a nossa vida real. Georges Bataille tinha razão; não acredito que alguma vez possa haver êxtase ou salvação. Não seremos iluminados ou julgados. Apenas por um breve momento, uma pequena fissura, poderemos sentir o que significa verdadeiramente estar vivo. E já me disseram que apenas acontece a quem está atento.
Porque quando passa, a existência deixa de ter qualquer sentido. Espero que sim. Já que depois apenas resta o inevitável regresso a Nada.
A partir dos meus primeiros passos de consciência racional, no começo da minha noção pessoal do que sou fisicamente, sempre me fascinou a capacidade humana para a transformação. Nunca o negarei. Jamais irei rejeitar a minha vontade pessoal de transformação. Não se trata, ainda, de qualquer viagem mística a reinos imaginários. Não me sinto demónio e muito menos anjo. Pouco me interessa a corporização de emoções que não sejam pessoais. Assumo o meu egoísmo.
Nos pouco anos de vida que já vivi, a questão mais frequente tem sido alimentada por uma estranha ideia: sinto-me mais antigo do que sou realmente. Um sentimento de deslocamento que me faz reagir aos mais diversos ambientes e locais de maneira diferente. São raros os locais em que consigo viver tranquilamente. E na maior parte das vezes, tais locais ficam distantes, obrigando-me a deslocações de horas. Para onde o frio é mais frequente do que o calor. E eu consigo odiar o calor! Nada que outros não sintam. Mas sei que são uma minoria.
Alguns, poucos, são luzes nesta consciência física de mim. Com eles aceito o que sou e aprendi a amar certas zonas negras da música fria e escura. Com eles, deixo que a minha cara seja pintada e o meu cabelo se rape. E por vezes, consigo vislumbrar algo que nem sempre pareço ter olhos para ver. A transformação tem sido lenta. Sei que nunca vai terminar. Pela minha recusa em aceitar o que sou.
Sou dos que nem sempre aceitam o que lhes surge em frente ao espelho. Mas uma coisa sei porque me tem sido demonstrado: existe uma beleza perigosa na escuridão. Estranhamente, eu consigo sentir-me vivo e feliz nela.