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Hoje já se perdeu a noção de viagem. Acabou, para a maioria, o significado de viajante. Da partida para outro lugar e outros horizontes.

Sei que a minha geração, os futuros doutores e governantes, não sabe o que é viver em escuridão abençoada. Sei como se tornam descrentes quando lhe conto o que os meus olhos já viram. As mulheres nórdicas que dançam nuas em festa pela vinda do solstício de inverno e onde uma pele morena como a minha destoa, por entre o branco e o loiro. Não sabem do prazer que é acender uma fogueira ritual enquanto se bebe um néctar de álcool, sentir a liberdade de uma criança. Só quem viaja realmente, quem saí do seu pequeno mundo, almeja por aquele fogo livre. O momento de reparar no que sempre ali esteve.

 

Depois, é ler as palavras dos outros. É observar e conservar na nossa própria boca, como se fosse um rebuçado de fruta ácida. Sentir o sabor lentamente. Porque não há mais.

Ou então, no meio do nevoeiro do entardecer, quando o corpo moído, dorido pela viagem, apenas quer adormecer, mesmo assim prolongar a vígilia como quem disfruta de um suave licor. Deixar que toda a gente siga em frente. Que todos sigam com a sua vida e afazeres. Que todos saibam o que querem e para onde pretendem ir. Eu sei que não sou parte deste local. Desta existência.

Por alguma razão, eu não sou a pessoa que antes acreditava ser. Detecto lentas alterações, subtis mudanças de corrente em tudo o que me rodeia. Mais importante, alterações em mim. Mas pior é a noção de que essa monção de mudança sempre existiu, nunca foi perfeitamente vísivel, em muitas ocasiões foi apenas um brilho distante, mas esteve sempre presente. Agora sei que se torna mais acentuada e vísivel na escuridão. Não consigo entender como e porquê, mas sei que sim.

 

Creio que estou doente. Obcecado. Apaixonado. Quieto ou irrequieto. Não importa. O que eu realmente não quero é despertar ou ser despertado desta dormência, inatividade ou sono solto. Por muita dôr que possa causar, permite que abra os meus olhos para outros caminhos a percorrer.

 

"Rejoice, for tonight it is a world that we bury!
Have you beheld the darkness sitting upon the earth
Overshadowing the wind rose, lost in the smoke?
Thus many went astray at once
The others wandered hazardously through endless mazes
The rays of the sun whisper of a newborn fright
And very few horrors in the world could match in terror
The cruelty of that frozen caress and its fragrant secret in blossom

 

Let the rivers of paradise recede to their spring
May their sear beds expel desperate drops of anguish
May these bitter waters quench our thirst
Until the last second of the last hour, forevermore!"  (DSO)

 

 

É como se uma velha parte nossa despertasse no interior, aterrorizada e inútil na nossa existência e ainda assim intacta de habilidades destructivas. O que fica no presente, nosso e único, a criatura que somos encolhe-se e mira em desespero. Em tristeza. E por vezes, a pessoa que somos, deveríamos ser, mais eléctrica e vagarosa caminhante cheia de certezas, descansa e recua em lágrimas. Resta a parte mais dura e indigesta.

Quando vocês se abraçam um ao outro, no meio da escuridão, isso não faz com a noite se vá embora. As coisas más ficam, ainda permanecem. Os pesadelos ainda caminham com vocês. Quando vocês, por entre a escuridão se abraçam e apertam juntos, mesmo não se sentindo a salvo, pelo menos sentem-se melhor, pois não?

"Está tudo bem", sussurram, " Eu estou aqui e amo-te". "Eu nunca te abandonarei", mentem. Mas por um escasso e fugaz momento, a vossa escuridão não parece tão terrivel.

O facto é que a vida resume-se muitas vezes ao fumo branco do cigarro que se prende aos lábios. As questões essênciais da existência? A roupa amarrotada, o cabelo desnivelado e desfeito. Gosto das melodias que dizem coisas terriveis, da garrafa vazia e da súbita vontade de dançar. Por mais incapaz que seja. E por falar nisto que se chama vida vivida, preciso de me rir, por mais duro que seja esse sorriso. Por mais linhas que se cravem à volta dos meus olhos, dá vontade de fazer uma vénia aos desespero alheio, tudo como manda a regra elementar da educação; se preciso fôr tentar ajeitar o cabelo e não ser bem sucedido. Já agora, a barba e as patilhas já se rapavam, não?

Acredito que se fosse crente, acharia que o diabo criou o mundo enquanto deus dormia. Seria uma explicação muito mais aceitável, creio, para este meu despudor pela escuridão e sombras.

 

 

 

 

 

Sei porque razão a maioria das pessoas se recusa a olhar os outros nos olhos: porque transparece toda a verdade das suas almas. Toda a sujidade que habita as suas miseráveis vidas. Somos todos da mesma natureza e por isso não adianta justificar o injustificável.

Já deixei de me importar com o apodrecimento da minha alma. Antes a anticipo, porque já percebi que é na escuridão que posso melhor conhecer os outros; os que não olham os meus olhos, infantilmente sonhando a mentira inocente. No fundo, apenas perturbamos a vida de algumas- poucas - pessoas. Tal é a nossa insignificância. Se todos pudessem olhar de frente, olhos nos olhos, mais depressa seria aceite a verdade da nossa inutilidade no universo tão vasto e tão indiferente.

Não chega ser meramente humano. Não chega respirar e ver, apenas. Não. É preciso sentir-me vivo. E por vezes, nem sequer isso é o suficiente. Há uma necessidade urgente de destruir, matar anjos e ilusões. Por fim, descobrir numa espécie de parábola confrangedora o que sempre ali esteve. Objectivamente, em 99% das vezes, a vida roda à volta de um mesmo sentido. Inútil e urgentemente tirano.

 

Gostaria de recomeçar do princípio, quando era inocentemente imbecil e francamente desprovido de cinismo cego. Bem mais fácil se tornava voltar a acreditar em perdão e talvez seguir outros caminhos para encontrar o centro de certas almas.

Mas então, tudo se trata de condição humana. Para os crentes em promessas de fidelidade e resoluto companheirismo, talvez fosse melhor procurar consolo nas estranhas preces da fortuna, porque nada é permanente. Apenas a morte justifica essa eternidade do que é permanente. E é isso que nos deixa num estado de anormais de feira, aberrações de circo. Pela estranha e bizarra vontade de não admitir a sobriedade da solidão. Quantas vezes será necessária a viagem que acaba sempre na mesma paragem? Nascemos sózinhos e morremos sós.

Não teria a mínima importância verter uma lágrima que fosse pelos que se sujeitam à crença de que ainda é possivel viver neste mundo rodeado de magia astral. Se nem sequer existe magia pessoal onde já nem sequer é possivel observar as estrelas durante a noite porque o céu está permanentemente coberto de fumo.

Não acredito em redenção ou que perdoar possa reparar o que seja. Acredito que somos verdadeiros quando é necessário e porque nos convém. Mais depressa acredito no olhar arrogante e distante do gato do que nas lamúrias de quem pensa já ter visto tudo e não passa de um pobre de espirito.

Por isso não consigo perceber porque razão tanta gente tem necessidade de encontrar um anjo em cada esquina e com ele alguma magia, por mais podre que seja. Eu não vejo magia apenas o dano que causei. E que me foi causado.

 

Se conseguir permanecer vivo e mentalmente sóbrio com o passar das horas e dos dias, será o que mais se aproxima do odor da magia.

Ainda assim, podre.




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