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Não consigo deixar de reparar nele, quando entra pelas portas do bar. Trôpego e distante, quase parecendo caminhar debaixo da água.
São sempre as mesmas horas a que chega. Creio que poderia acertar o relógio, tal é a pontualidade com se senta na mesma cadeira. No mesmo local de todos os dias.
Assenta os cotovelos na mesa. Ombros encolhidos, quase enterrados nas orelhas. O olhar, esse espelho da alma, assemelha-se a uma paisagem lunar, tal é o distanciamento que lhe advinho. Muito raramente e de forma muito suave, gira a cabeça em volta, como por uma necessidade de afastar o mundo.
Quando chega o primeiro copo de vinho, de muitos outros, num estranho e compassado ritual, retira mais um cigarro do maço. Vira-o de cabeça para baixo e bate ritmicamente com ele na parte de cima da sua mão esquerda. Leva-o aos lábios enquanto observa, alheado, o copo à sua frente.
Inspira longamente e depois, liberta uma imensa nuvem de fumo para o ar. Pequenas gotas de prazer e satisfação escorrem pelos seus lábios. Mas por muito pouco tempo. Mesmo muito escasso tempo.
Depressa muda o tempo para os seus lados. De uma forma que não consigo explicar, pressinto-lhe um desespero surdo. Como uma segunda pele, está lá. Batendo com o coração. E os olhos tornam-se gelados, lunares e desconfortáveis.
Fico muito tempo, a observar de forma quase solene. Absorto e hipnotizado pela estranha dispersão de sentimentos que dele emana. E vou-me sentindo frio e absorvo um pouco daquele seu desespero. Como se visse um náufrago e a sua salvação fosse impossivel.