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Possas encontrar paz na escuridão que contigo festeja os dias. Turvos são esses dias. Sei. Como são os meus. Olhar a lâmina. Sentir aquele apelo. Porque não. Mas sabes? Porque não lutar? Cerrar os punhos. Não reter as lágrimas. Terão de se soltar. Eventualmente. E o brilho dos olhos volta. Mesmo que tenebroso. Longe de portões dourados.
Porque não persistir. Mesmo que em agonia. Peso desmesurado. Arrastar contra tudo. Contra todos. Bastardizar as ideias. Arquejar em esforço.
Sabes que o fim é mesmo o fim? Que ainda assim, atrasando-o, podes escutar outras canções. Mesmo absorta em maligna condição. Depressiva virtude, sentir que existem outros. Animais. Alcateia. Caminhando. Em breu profundo. Segredos e farejos.
Sim, talvez o teu fim ainda esteja longe. Respira. Sonha. Que a angústia to permita. Como a mim.
Quase terminaste com a vida,
No abismo que conhecemos, já
Nas lembranças que te feriram,
Nos golpes que recebemos, nas desilusões
E pelas minhas palavras, lidas
Tão distantes, tu encontraste vigor?
Pudeste olhar, de novo
Além da escuridão
Porque sei do fardo que carregas,
Onde por mim te podes apoiar
Por isso cruel, nas minhas palavras
Viste... Luz!?
Como? Como é possivel,
Que neste meu recanto obsceno
Que povoo com profundo desespero
Tu, alma mortal, te tenhas abrigado?
E se isso te fez respirar
Voltar a ver, sentir
Que morremos pelos mesmos cortes
Nas cordas estamos, e resistimos
Que tão distante estás, Continentes
Tu me tenhas farejado, grotesco e em abandono
Perguntes, peças
Me amarres a este poço insalúbre
Deveria odiar-te
Por este peso, essa tua salvação
Nas minhas letras encontrares reflexo
E que te ajudam a viver,
Mais um dia...
Nada se torna mais vital e sintomático do que a visão de uma tempestade que se aproxima. Por entre o sentimento da vontade de pura e simplesmente fugir, adiar inevitabilidades, ou a vontade de permanecer e sentir a sua força, vai uma enorme distância.
Procuro tempestades. Caço-as. Tento permanecer no meio delas. Caminhar por onde vagueiam. No sentimento de as pressentir. Aquele momento de antecipação e total rompimento com a realidade, é uma verdadeira prova de vida. Estou ali. Respirando. Olhos abertos, em espera.
Talvez seja por isto que pouco me interessa o Verão. Ou até a Primavera. Nunca lhes testemunhei uma tempestade que me fizesse ficar. Olhar em extâse. Em sublime reverência. No Inverno, tamanha é a força de uma tempestade! Pressentir ainda longe, toda a sua força, não será meramente um capricho. É vital. Vou ao encontro da chuva. Da trovoada. E sei que eventualmente, muitos gostariam de finalmente me fecharem numa masmorra. Sei que isto é coisa de loucos. Extremo. Acima de tudo solitário. Muito solitário. Mas para mim, é um meio para chegar a um fim. Viver. Sentir. Coisa que poucos fazem. Mesmo julgando que estão vivos e sentem.
Eu? Caço tempestades.
E finalmente deixar que a alma se liberte
E finalmente poder sentir a virtude de sorrir
E poder afirmar que neste local permanece a minha desilusão
E que ela não voltará a caminhar ao meu lado
E encher o peito de ar, sem raivas ou mentiras
E voltar a olhar o que foi, sem a sombra da dúvida
E vestir a razão de tanto brilho, ainda assim poder ser vista
E nunca ansiar por compreensão, por compaixão
E voltar à inocência infantil, pura e inculta
E pensar sem angústia, sem me perder
E voltar a acreditar em tudo, até em Deus
E esperar por alguém, que sei que virá
E nunca mais desejar o que não tenho
E com mãos humanas, sentir o que é realmente amar
E acreditar que é possivel sentir amor
E poder finalmente, descerrar os olhos e ver o Sol
E que todas as coisas se tornassem vivas,
E onde pudesse descansar, voltar a ser humano
E se eu te dissesse para onde vou, fosses presente
E se com a última visão da minha existência, eu ousasse por fim
... Sorrir de tudo isto?
Este reflexo quase transparente, que só testemunhamos muitas vezes por aquela parte da nossa razão que se recusa a gelar todas as nossas desventuras e sonhos. Algo que passa nesse crivo de certezas. E verdades. Muitas vezes, tão absortos estamos do que se encontra à nossa frente, que nos esquecemos de olhar para o lado. Para aquele canto da realidade. Que quase não importa. Por que nunca seria algo a escolher em primeiro lugar.
Deixar que este reflexo apareça. Maior. Mais febril. Que adquira peso. Que se torne importante. Que nos agarre pelo pescoço. Que sejamos forçados a virar a cabeça. A ver o que tantas vezes é óbvio. Obstáculos instransponíveis tornam-se fumo. Dores onde nos encerramos, por ignorância e vã racionalidade, subitamente claros. Cristalinos. Mesmo que cruéis, porque magoam. Ardem e descarnam.
Poder sentir este pálido reflexo é obra de arte. Pura e inadulterada paixão. Tão pulsante e atrozmente fugaz. Porque se fosse permanente ou até demorado o suficiente, hoje eu teria garantidamente, ficado louco.
Senti, pressenti
que por onde caminhas ouve-se
o vento
aragem que sopra
do lado negro do Sol
em plena viagem de glória
as tuas asas por mim se abriram
em voo planante te insinuaste
A minha boca que se abre
num espasmo sorriso
a nova alma que me trazes
porque são dias tristes
estes em que divago
onde se torna a paz, tão
rara, tão leve
como o teu bater de asas
Atravessas a falsa luz
acariciando os meus olhos
com o teu dançar
e em ti, regressa o tempo
a pressa de voar
a melodia em cada suave lacrimejar
onde um simples bater de vento
volta a ser uma promessa de libertação...
São momentos como este que deveria preservar. Hoje, de verdade, desde esta noite, um sentimento de paz interior entrou em mim. Assim. Sem aviso. Uma vontade serena de pausar tudo o que faço. Parar de observar o que me rodeia. Impedir o catalogar de tudo o que penso e digo. Uma estranha ideia. Não precisar de escolher caminhos. Se o direito. Se o esquerdo. Apenas ficar quieto. Balançar neste ritual apaziguador. Será que é isto que sempre tenho perseguido? Esta paz que sei ser breve, apenas porto de abrigo numa vida cada vez menos vivida e mais insana, deixa-me frágil. Indefeso. Numa escuridão que, mesmo que procurada, não deixa de me cegar.
Mas este abandono, esta quase harmonia interior, é também e apesar de tudo, elusiva. Porque é uma escolha. A minha escolha. Não sei lidar com isto. Com esta emoção. E torna-se cruel. Insinua-se em mim, para maldosamente me voltar a abandonar. Sem aviso.
Pudesse obter um claro entendimento de mim. Saber, afinal, porque razão não me encontro mais vezes neste estado. Sei que sim. Saberia o que é ser feliz. Olhar desta janela, um céu cinzento e húmido, reduz-me a mera partícula. Por isso e ao aceitar esta condição, me sinto em paz. Será por isso? Mesmo? Esta caneca de café, sistemáticamente cheia, terá a mesma condição? Insignificância que se torna paz? Virtude?
Num mundo onde escolher parece ser o mais fácil, porque se escolhe o mais óbvio, esta sensação de paz torna-se utópica. E nem sequer me atrevo a disseca-la! Seria como esmagar um coração ainda a latejar. Como morrer antes de saber a verdade.
E o meu corpo também se ressente. Habituado à dureza do que a mente impõe, quase se torna autónomo. Sem as punições da mente, liberta-se. Descansa. Respira.
E esta paz talvez responda a perguntas muitas vezes feitas. Encerra tudo o que sempre percorreu a minha vida. As perguntas são sempre feitas por estranhos com quem me cruzo e que maravilhados indagam:" Porque raio tenho eu receio de me aproximar de alguém? Porque raio não confio em mais gente?". A resposta demorou a atingir. Mas a verdade é que todos os que disseram que comigo estariam, que não me abandonariam, se foram embora. Tirando pequenas e sóbrias excepções, esta é a verdade.
No fundo é como o morrer. O pior sentimento não é o da morte. Isso é definido. É a certeza de que não somos necessários. Que estamos sós neste mundo e muitas vezes, porque perdemos a razão para viver.
Mas isto, de qualquer forma mergulhou-me, pelo menos hoje, em absoluta e maravilhosa paz.