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Endémico, tento remendar a minha realidade. Não sofrer muito com a desfiguração das minhas desilusões. Cravejar no meu corpo, o grotesco da ironia alheia. E a beleza da segurança que daí nasce.
Não me olho ao espelho. Porque me sei de aspecto opaco. Inadaptado. Apenas sinto o seu reflexo em dias que são como cacos cravados na minha carne. Nas noites de frémita anticipação. Escutando a acústica invernal. Apenas aí, olho o meu espelho.
Já morei na incerteza de não querer a morte. Abri o meu cardápio de simples significados. E tornei-me indiferente. Troçando da minha indiferença, rindo do que não é para rir, criei este catálogo. Folhas brancas, onde deposito raiva. Onde reside a minha paixão. Por muito tirana que seja, é esta a minha paixão. Incapaz de dançar aos pares. No sol radioso.
Que sentimentos posso despertar em quem se aproxima? Frios. Cinzas de indiferença. Transfigurado que está o meu voo. Pardal sonolento. Perdido no centro da tempestade. Por mim procurada.
Uma alma exausta. Num corpo rochoso. Como amantes tenebrosos. Prisioneiros.
Palavras que me rebentam o coração.
Que queimam e dilaceram. Como adagas.
São veneno e calor. Rebentos de fadiga.
Estilhaços. Golpes profundos. Imperdoáveis.
Palavras.
Um fim. Uma maldição.
Não as encontro, em mim.
A conspirar. Para me consumir.
E eu, surdo, mudo. Aqui.
Espero por vós. Para o meu funeral.
Sem temores. Sem rancores.
Porque de novo, me tornei velho.
Em vão, tento a palavra.
Para que me compreendam. Apenas isso ...
Mas são verbos. São duras. Pecaminosas.
Canções de outras iras. Meu parricídio.
Minha e tão minha, libertação!
Quanta verdade está nelas?
Toda. Tanta. Imensa!
Palavras, são chamas disformes.
Julgamento sumário. Sentenças.
São carinho. São ardor.
Mas matam. Tantas vezes, logo à nascença...
São perdoar. Enterrar a amargura.
Não esquecimento. Rancor.
Por palavras, os golpes são vis.
Crueis sentimentos, esmagando o coração ...
Ou então, são a cura para todos os males.
Foi por este ódio que me deixei consumir. Por estes dedos frios, que preenchem a minha pele. Pelo amargo sabor da verdade. Que julgava alcançada. Porque estive ás suas portas. Para me tornar a sua negação. Verdade que não consigo aceitar.
Este é o meu dilema. Clandestino e entediante. Procurar entender. O medo, nas lágrimas de confusão e lamentar, porque dou a minha vida a isto e apenas recebo dor.
Já estive a meros momentos de lhe tocar. No meu desejo. E agora sou apenas isto. Horrivel negação. Voltar a trás. Recomeçar. Reconfigurar. Para sarar. Para voltar a rastejar. Amarrado a esta vontade. Esta imundíce que me açoita. E desilude!
Recuso submeter-me a uma razão que me transcende. E apenas deseja que aqui fique. Sentado. Olhando para as estações a passar. Não ficarei parado, enquanto essa razão me estrangula.
Talvez esteja, finalmente, irremediavelmente louco. Insano. Insandecido. Por não achar um chama de esperança onde caminho. Por ser sempre o primeiro a apontar a arma à minha cabeça. Primir o gatilho e não morrer!
Vejo rostos que sangram. Ainda assim sorriem. Mesmo com a faca da desilusão junto ao coração. Riem! Morrendo lentamente.
Por minhas paixões, negras aves de carniça, encontro caminhos. Sempre mais longe. Mais escuros. Nunca brilhantes. Nunca de outras gentes.
Estou doente. Morto. Em peste. Grotesca pintura de sórdido desperdício humano. Onde toco, mato. Falo. Demente e orgulhoso.
Sou o primeiro a saltar para parapeito da janela deste quarto. Sonhar que sou ave. Olhar o céu. Odiar. Em paixão.
Não lamento recusar uma razão que não me aceita como seu. Nem lamento os que me rejeitam. Senão, porque me sentiria tão forte?
Por apenas uma vez, sonho. Sonhei. Que tudo o eu dizia fazia sentido. Onde existiam dúvidas e pressentimentos, se revelavam verdades.
Sonhei. Que na minha voz, podias ouvir a minha canção de guerra. Por breves verbos, poderia ser ouvido. E onde habitava, uma meia luz inundava a escuridão.
No meu mundo, ténue de equilíbrio, caminhavas sem receio. Sem terror, sem loucura. Para além deste vácuo infermo. Eu estava sóbrio. Eu não sentia angústia. Conseguia dormitar. Num chão rachado. Frio. Invernal e, mesmo assim, amigo.
As lágrimas que afogavam o meu rosto, eram afinal, de cristalina certeza. A certeza da chegada. Onde? Não me importava. Apenas que chegara.
Poder, finalmente olhar cá de cima. Sangrando do pés, caminhante, podia sentir-me apenas humano.
Um sonho, onde rejeição era carinho. Sonhos. Onde a minha paixão se desvanecia, nos teus lábios.