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A arte do Vazio,

 

Se algo pudesse justificar a vida, que não fosse apenas a mera razão de procriar, isso seria a procura absoluta do vazio. Não um vazio abstrato, repleto de orações e desejos pelo divino. Não a falta de doenças ou vida eterna. Antes um estado emocional onde tudo estivesse por preencher.

Por vezes, penso que este vazio, se consegue transformar em arte. Não aprendida ou ensinada. Arte que nasce com todos e que a maior parte esquece. Uma arte recordada naquele ultimo beijo, dado ao que se encontra ás portas da morte. Como se o calor do beijo, aquela despedida solene, voltasse a trazer à memória o vazio. E a forma como o podemos povoar.

 

E poder povoar o vazio, poder conter todo este vendaval de abstinência racional?

 

Ela,

por muitos dias, noites serenas de dorida desilusão, em vão pensou povoar o vazio da alma. Encolheu e cegou para a luz do mundo. O destinado aos vermes longe da luminosidade: insanidade.

A lâmina fez jorrar o sangue. A escuridão iluminou-se. O inverno passou a ter sentido. O inverno que dança em passos desenfreados.

 

Ele,

incapaz de sentir beleza em si. Por vezes, deixa que o dia seja apenas um cadáver em lenta decomposição, enquanto espera pela escuridão viva. O vácuo povoa-se com a dôr. Bruxuleante.

 

O caminho feito em plena noite de chuva. Ainda assim, por baixo de um silêncio imenso. Imenso.

Se fosse por minha vontade, o mundo terminaria assim. Ali. Debaixo dos passos das minhas botas. Sem raios ou luzes de juízo final. Faria com que se apagassem as estrelas e a terra parasse de girar. Nesse fim, onde o silenciar do mundo seria o meu desejo, apenas precisaria da música feita pelo teu coração que bate. E pela leveza do teu respirar ao meus ouvidos, manteria acesa uma vela para ti.

 

... Continuarias a viver. E a encantar.

A rendição à  decadência, a um certo estado de espiríto, onde a perdição mental será a última e definitiva graça humana. Quase se tornam palpáveis os dias de serena raiva. Onde os olhos não abrangem, onde não é possivel ver, sentir é a forma mais segura e clara de viver.

Quem se queixa da chuva e do cinzento destes  dias, quem foge da trovoada e do céu vestido com cobertores negros, nunca se vergou ao peso do silêncio. Não sabe como consola o trovejar aos que vivem debaixo de uma existência parda, manchada pela falta do riso.

 

Consolam-me os dias escuros. Os arrepios de  certeza e a vontade de abdicar. Há algo de selvagem, de supremamente terminal no abdicar. É como se brindasse a um fim. Para começar outro dia.

 

A rendição à decadência. Uma graça humana que até os deuses temem.

Por uma vez, uma eterna vez, agradeço-te a companhia e a paixão sem limites. Tudo isto, enquanto me vou tornando cada vez mais louco.

Só por ti e contigo, ainda respiro. Mesmo quando outros se afastam

 

Um lapso momentâneo da razão ...

 

" Como é possivel explicar-te a minha vida? Onde posso assentar arraiais e deixar fluir a  dor da admissão? Onde tudo se resume a procurar um fim, acertando contas com tudo?

Mas deixa que divague por outros caminhos que não os teus. Que sejam os meus assuntos a interessar, origem de todos os meus sonhos. Mesmo sabendo, intímamente, que não entendes. Que não aceitas esta minha estranha fixação. Demonologia privada, já o chamaram.

 

Nunca me senti garantido de nada. Nunca senti o privilégio de poder assumir amor incondicional. A sensação intíma de ser eu mesmo. Nasce de uma negação, da falta de compromisso. Tantas vezes me foi repetido. Tantas vezes rasgado em pedaços pela realidade.

Se calhar até é tudo isto. Se calhar. Ou então sou apenas um mero caso de perdido e achado. Quase dá vontade de rir e chorar, não? Isto acaba por ser o mais velho truque do livro desta merda de vida. Correr e respirar, acreditar! Manter a luz acesa. E no fim? Nada. Igual a outros dias.

 

Muito me espanta a capacidade de deduzir em vez de agirem. Tanto se pensa e acha que conhece. E no entanto, recomendo-te que voltes a olhar para esse caixão. Verifica e volta a fazê-lo. Se calhar, quem tu pensas lá estar afinal ainda não morreu.

Os medos que te atormentam não são os meus. E depois, quando abres os olhos, é dia. A luz do sol tem essa têndencia: afastar a frustração e as palavras transformadas em punhos de raiva.

 

Mas como te sentirás se te disser que não és nada? Se te mostrar que as tuas razões e a tua fé não interessam? Que não existe diferença no que me dizes. Que tudo se cria e destrói num corte. Os sussurros de esperança são tão incapazes de me provocar um esboço de sorriso, sequer.

Um coração de pedra, dirás. Seja, o que quiseres. Mas o meu fogo nunca será o teu. Porque não o sei controlar e são mais as vezes que me queimo do que as que me aqueço.

O sofrimento é isto. É a negação e a incompreenção. Passa por ansiar pelos acordes silenciosos da noite, enquanto a maioria suspira pelo dia.

Talvez a dôr me seja demasiado familiar. Pelo menos a física. Mas a doença da alma nunca será aceite. Mesmo sabendo-me pôdre,  sabendo que estou doente, jamais aceitarei a vida como a pintas e desejas."

Portanto, sonhar não me custa nada. Trata-se de tentar acabar com esta fome. Tentar acreditar em milagres, num mundo de magnetos e lenta decadência.

Lembro-me, recordo-me , dos dias em que outra força me movia. Voava a maior altitude. Muito mais alto. Lá, das alturas, quando nos limitamos a planar ao sabor do vento, tudo é muito mais brilhante. Perdemos a noção de fronteiras . A relva torna-se mais verde. O sabor das palavras é doce, tão doce! E as noites? São de maravilha e quando surge a luz do dia, o brilho é tão intenso que me cegava.

 

Mas sempre me movi por esta fome. Bizarra. É como uma corrente interior, num rio que só secará com a minha morte. Aceito isto. Tenho que aceitar e afinal, já aceitei coisas muito piores.

Preferia esquecer os sonhos. Preferia que eles deixassem de ser os vilsumbres de algo que nunca mais será. Nunca mais.

E como se torna voraz, esta fome. Mesmo que os dias de brilho só sejam a recordação em noites de escuridão.

O frio que surge quando os meus pensamentos vagueiam é algo que sempre me assustou. E fascinou. São poucas a pessoas capazes de entender o que penso, sem acharem que pertenço a outro mundo. Mas a minha existência não é vivida com o pensamento neles. Aceitar que apenas uns poucos sejam companheiros,  é uma façanha que enfrento todos os dias. E cada vez a solidão é maior.






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