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São as piores manhãs, as do chão frio e das janelas a ferver. E da luz que que queima impiedosamente. São as manhãs da certeza da alma, de que o dia não poderá ser atravessado mas de alguma forma, terá de ser escalado. Em sentido vertical. E no final, quando chega a hora do sono será, de novo, como voltar a cair de algo muito alto e escarpado.

Que por vezes eu tenha de me sentar num qualquer lugar e deixar que doa. Que desta maneira eu me acalme e deixe de me preocupar com que os outros pensam de mim e acabe por reconhecer que raramente pensam em mim. Existe algo de estranhamente bizarro e eterno neste abandono. Algo fora do programado, um torpor crú e que embriaga. Adormecer de mansinho enquanto os outros à nossa volta se revoltam em ataques de pânico e ansiedade. E porque não? ...

 

 

E não é porque eu seja de tal forma infeliz que por isso não queira viver mais tempo. Não, não é assim que eu me sinto.

O que eu sinto é algo mais real e estranhamente  esclarecedor. Sinto o cansaço e o aborrecimento de uma festa que já dura há demasiado tempo e eu quero ir-me embora. Eu quero voltar para casa. Sinto-me oco e parece não haver nada para o dia de amanhã. Nada que mereça esperar. Por isso, mas valia tudo terminar.

Seria bom poder dizer que à medida que os anos passam as relações se vão tornando mais sofisticadas, as pessoas menos cruéis e que vou adquirindo uma pele cada vez mais espessa. Anseio acordar numa manhã e sentir as minhas emoções mais firmes e que os meus instintos não sejam sempre eles a estar certos. E eu sempre errado.

Mas parece que essas manhãs em que desperto certo de que algo irá ser diferente, apenas são uma repetição de outras feridas e ossos quebrados; tudo o que se assemelha a romantismo nestes dias é uma mistura porosa de uma outra história. Uma primeira história.

Mas é claro que eu já me recusei a voltar ao caminho anterior, não andar de novo pelo terreno que sei fértil em desilusão. Por isso lamento, porque sei que a minha audição já não arde tão furiosa. Também já não se torna necessário contar os maços de cigarros baratos para evitar a troça e as lágrimas em torrente. De facto, nada disso já interessa. Nem um bocado que seja. Pena é que os anos passem e permaneça este sentimento de nada alcançado.

Existem duas coisas que prezo muito acima de tantas outras. A memória que me traz cheiros, particularmente intensa nos dias húmidos de chuva, visões de outros rostos e locais, tantas vezes a tresandarem a saudade, e sons. Principalmente o riso contagiante, este cada vez mais em falta aos meus ouvidos. E depois, prezo de uma forma sistemática e paranóica um pequeno livrinho que gosto de tocar em muitas ocasiões. O meu passaporte é o que me relembra do que é viajar e nunca me cansar. Creio que lhe chamam fuga e muita gente nem sequer sabe que existe. Pois é uma preciosidade que permanece e se tornou algo que me deixa sonhar e respirar.

Posso considerar-me um viajante exprimentado, ansioso por exprimentar, sempre a juntar dinheiro e a planear outra viagem, sempre para mais longe, que chego sempre à conclusão de que não conheço absolutamente nada! De cada vez que regresso olho para as coisas e pessoas de maneira diferente. O passaporte dá-me a uma noção absolutamente real: a solidão tem sabores, cores e sons. Parto sempre a pensar se irei regressar se não será para não voltar. De vez.

 

É realmente este o problema por estes dias, não é? Procuram-se e tentam ver-se demasiados fins felizes. Tudo tem de ser embrulhado com um papel de sonho e laços coloridos, junto com um belo sorriso, uma lágrima e um acenar saudoso.

Eis que todas as criaturas encontram o amor, aprendem a amar! Toda a gente tem como virtude admitir que errou e assim tentar emendar-se para um mundo melhor. Mais limpo e saudável. Descobrem as alegrias do casamento, dos filhos e a magia de ser fiel ao voto de amor.

Eu não pertenço a este mundo. Sinto-me incapaz de lidar com isto. Sei que na realidade, as pessoas recebem tiros e desilusões pelas suas emoções e paixão. Sei que no fim, em vez de um final feliz, aprendemos que a vida é um poço de merda, desapontamentos e de uma muito curta duração.

 

Nós vivemos juntos, agimos juntos, reagimos sempre em conjunto. Mas sempre e em todas as circunstâncias, estamos sós.

Vemos os mártires de tantas causas que acabam crucificados sózinhos. Os amantes tentam fundir-se naquele momento de extâse, num abraço tão potente que quase os transforma numa só estrela; em vão. Eu acho que é uma condição nossa, tão imensamente humana, termos uma alma que corporiza termos de viver com o prazer e o  sofrimento em solidão. A sensação, os sentimentos, as visões e as manias acabam sempre por ser mais intensas em privado. Dentro da nossa alma. E tantas vezes são incomunicáveis. Podemos olhar para números e palavras escritas de consolo, mas não passamos de ilhas.

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Vamos ao funeral e saudamos em despedida. O coração torna-se negro pelo desgosto e a tristeza. Depois, continuamos a existir. Por vezes, nos momentos mais sofridos, a sua memória, a saudade que nos causa, atinge-nos com um golpe cruel no peito e mais uma vez choramos.

Porém, isto irá ocorrer cada vez menos vezes à medida que passa o tempo. Morreu. E nós continuamos a viver. Não é?

Em todos os sentidos possiveis e que possam contar, eu estive morto. E talvez, algures, eu tivesse gritado ou até chorado; posso até ter uivado como um animal em absoluta solidão. Mas creio que essa era outra pessoa que vivia dentro de mim. Uma pessoa sem acesso a lábios, a uma face ou até a uma cabeça. Portanto, na superfície eu continuei a encolher os ombros e a rir. E continuei a andar, a mexer-me.

Se fisicamente eu tivesse conseguido passar ao longe, atirar tudo para trás das costas, apenas e só sem nada fazer, afastar-me da vida de maneira tão fácil como atravessar uma porta, sei que o teria feito. No entanto, tudo o que eu fazia era ir para a cama à noite, acordar de manhã, desapontado por ainda estar neste mundo. Desapontado e resignado a existir.
 




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