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O truque é achar que estou vivo. Que sinto e que não vejo no olhar o deserto que morre de sede. Acho que consigo, creio eu. Que consigo buscar companhia e estar sempre a vislumbrar o fim do dia. Observar a escuridão que poisa sobre as pessoas. E já faz tempo que me aborrecem certas coisas. Como por exemplo, a incapacidade de encontrar esperança em tudo o que nos ilude. Pois, eu gosto de pensar que sou um caçador de sonhos absurdos de felicidade. Porque este tempo em que vivo me odeia e eu, ainda menos o tolero. Só assim me sinto vivo. Longe de tudo, entre aquela tribo que conheci, onde por uma cruel partida da vida os meus olhos incrédulos e ateus, mergulharam no xamanismo daquele velho negro e enrrugado que me deu de beber a "mistela dos deuses". Sabia a veneno e por dois minutos, transformou as minhas entranhas. Depois, despido e deitado na terra quente, durante toda a noite que restou vi-o dançar e falar. Creio que, finalmente, soube o que era ter paz e descanso. Creio que possa ser isso a morte. Sem luzes ao fim. Apenas escuridão. Sem medos.

 

Eu acredito que o destino da raça humana reside nas estrelas. Quero acreditar que, ainda que a humanidade não tenha salvação , ainda seja possivel pertencer ao pó cósmico de um negro universo.

Eu acredito que o açúcar era bem mais doce quando eu era criança e acreditava que as vespas pertenciam a um outro planeta e que o seu voar, impossivelmente aerodinamico, fazia parte de um plano de conquista.

Eu acredito num Deus impessoal que num dos seus dias de terrivel enfado, decidiu criar o universo, depois vestiu o casaco e saiu com as suas namoradas para se embebedar até ao coma. Um Deus que não faz a mínima ideia se estou vivo ou não.

Eu acredito num universo impiedoso, vazio e tiranicamente governado pelo caos, afogado em barulho e sorte cega.

 

Eu acredito que existir, respirar e sofrer não passa de uma piada de mau gosto. Acredito que a vida é uma cruel piada, dissimulada por sorrisos e falsas noções de luz salvadora. Mas tambem acredito que a vida acontece enquanto vivo e existo e que portanto, mais vale deitar-me, colocar as mãos atrás da nuca e sorver todos os poucos momentos bons que ela me dá.

A minha vida é rotina. Acordo cedo. Lavo os dentes, sento-me no chão de pedra fria e não tomo o pequeno-almoço.

Eu olho fixamente para a parede cinzenta em frente a mim. Mantenho as pernas cruzadas, as costas erectas e o olhar em frente. Inspiro e expiro ritmicamente, tento não falhar uma inspiração ou expiração. Tento não me mexer.

Eu permaneço sentado tanto tempo quanto consiga, tanto que tudo começa a doer-me. Sento-me estático até que pare de doer. Até que eu consiga perder-me na parede cinzenta. Até que a minha mente se torne cinza como aquela parede.

Eu sento-me. Eu olho. Eu respiro. Eu estou sentado e a olhar. A respirar.

O relógio nada me diz. Não me leva a lado nenhum. Nenhum. Não existe nada mais do que o agora e as mudanças de humor da noite. E eu sento-me à mesa sózinho a fumar e a beber café. Em escuta. A sobreviver. Não deveria estar aqui ou em qualquer outro local. Eu nem sequer deveria estar a respirar ou a ocupar espaço. Este momento não deveria ser meu ou qualquer outro minuto de tempo. Creio que esta oportunidade de vida não me deveria ter sido concedida, esfregada na minha cara. Não a mereço, não mereço nada e no entanto aqui estou. E no entanto é minha. Um momento, uma oportunidade aqui junto a mim. Em frente a mim. O meu coração bate mesmo com estas paredes caladas e pálidas. Eu estou a sobreviver.

 

Eu pertenço aos que, por muito que digam ou tentem disfarçar, caminham na escuridão. Sou dos que assobiam no escuro. E sou como todos os outros porque não sei o que me sucederá hoje. Ou de um momento para o outro. Nem sequer faço a mínima ideia de como poderei ultrapassar o que me espreita. Isto é fatal e inevitável. Principalmente, e aqui posso sorrir  de certezas, isto é verdade para toda a gente. Sem excepção.

Mas todos os dias observo como certas pessoas persistem em criar ilusões de salvação e segurança. Uma muleta de apoio em dias de desilusão. Nunca deixo de questionar porque tentam certas criaturas persistir na ilusão de que são inocentes perante os outros. O irónico é que eu deixo de as ver como inocentes, visto que essa inocência morre rápidamente e nunca mais regressa, antes os vejo como são realmente: monstros.

 






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