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O mundo é um lugar de paraísos. E o que faz um demónio como eu para sobreviver entre tantos anjos? Desde logo, o café e um cigarro são o começo. Um início para o facto de que não me importam os outros e o que possam pensar. Acrescente-se a isso, uma severa incapacidade para dormir a horas decentes e acordar cedo. Depois, a sensação de que todos os venenos exprimentados apenas servem para me afastar do mundo. Tranforma-lo em fumo. Apenas permanecem certas imagens bem marcadas. Duramente marcadas.
Mas tenho uma velha poção, algo parecido com uma mistela de bruxas. Gosto de mexer e remexer com os dias, como se estivesse a escrever música. E as coisas tornam-se estranhamente simples. É como observar um gato a dormir, coisa que aparentemente parece fácil e até simplória. Mas é preciso ser bom observador e entender os gatos para saber que no seu aparente dormir, habita uma sentinela que não se limita a vigiar. Esta simplicidade é o que denomina certos demónios. Isso ... e a incapacidade de ver laços coloridos à volta de farsas. É não ficar do lado supostamente certo. Acima de tudo, habitar no doce egoísmo de saber que gosto do meu demónio com umas sábias gotas de veneno.
Pessoalmente, aprender sempre foi um desígnio natural. Como respirar. Tal como durante anos, mais precisamente desde os 14, eu esperei e planeei a saida de casa dos meus pais. Quando cheguei aos 18 anos, precisamente nesse dia, saí do conforto e das regras de um lar. Mesmo contra a vontade e ameaças ( que são sempre uma marca distinta de parentes possessivos e, aparentemente, bem intencionados ...) eu concretizei um desejo. Não, não uma fantasia ou um capricho. Talvez seja revelador de um pragmatismo cruelmente tirano, mas eu nunca mais regressei! Talvez até seja porque sou obscenamente orgulhoso e analiso as coisas que me interessam a um detalhe obssessivo, eu reconheço não ter ainda conhecido muita gente capaz de o fazer.
Mas para que escrevo isto? Quando decidi sair de casa dos meus pais, tentei sempre ser autónomo. Nunca precisei de pedir dinheiro ou guarida a ninguém. Basicamente, trabalhava até à exaustão e sempre, sempre favoreci o conhecimento. A faculdade foi um escape para aprender e para poder ajudar a sustentar-me. Estou, por estes dias, a terminar o mestrado e a planear ( uma vez mais, pragmaticamente, como alguns gostam de me esfregar na cara ...) o doutoramento, não porque me interesse ser doutor de coisa alguma, mas porque irá ser uma porta imensa(!) para a minha total indepêndencia. Sim, porque sou o mesmo e ainda odeio a maioria dos que me rodeiam e por isso quanto menos dependente fôr, melhor!
E eu consigo entender a indignação de tantos estudantes com a afirmação de um suposto governante, que nada faz bem e pouco acerta, mas que ainda assim, ao acaso, creio, afirmou que sair do país era uma boa opção para quem durante anos estuda e se sacrifica. No entanto, eu desde muito cedo sei que esse é o meu próximo passo e por isso sei que em breve, muito breve, eu vou para outras pastagens. Aliás, há muito que viajo e há muito que estou temporadas num certo país (onde estão os que eu sei serem os meus reais amigos e quem eu sei que me espera) e depois, regresso. Porque ainda tenho coisas que me prendem aqui. Pessoalmente, estudo e trabalho para poder sair do país. Não critico quem decide o contrário. Eu respeito isso. Mas, não é o fim do mundo.
Embora eu ainda olhe para a faculdade como um meio para atingir um fim, que não necessáriamente o de acabar e arranjar um emprego estável,
admiro quem batalha e como eu, quer algo melhor do que apenas o nosso governo quer dar: esmolas.
Como uma pequena minoria, longe das luzes principais, eu continuo a procurar, a viajar e a mover-me. Por vezes, espalho inferno e desilusão de uma forma estúpida e descuidada. Nunca me interessaram as pequenas e simples coisas da vida, o conforto dos pequenos prazeres que servem de consolo para os dias de desilusão. Sempre fui próximo daquele fumo que faz esquecer, da sabedoria da mescalina, da cor negra ( do escuro como breu...), dos gritos e das gargalhadas. Meia garrafa de Tequilla ou metade de uma garrafa de Gin elevam o meu espirito a locais onde me sinto realmente feliz, sem nunca me deixar embriagado. Nunca. E a têndencia é a de avançar cada vez mais. E quando penso conseguir chegar a qualquer lado, fica uma negra suspeita que não. Que esta suposta odisseia é uma mentira. Não existe esse paraiso, é tudo puro sonho. O resultado de alguem com o coração cheio de ódio, que permanece vivo contra a força do vento, que insiste em dormir até tarde e nunca consegue acordar com um sorriso.
De alguma maneira, algures no caminho, a maioria das pessoas insiste em permanecer ignorante relativamente à solidão. Verdadeira solidão, digo.
Estamos sós, nascemos sós e na realidade, crua realidade, vivemos sós. Mesmo que a literatura de romances maravilhosos tente insinuar o contrário, eu sei que haverá um dia em que olharei para trás e só poderei concluir que apesar da companhia, a viagem foi solitária. Cheia de brilho e escuridão, mas só. Repito que não será uma viagem sem companhia, mas em última análise : em solidão.
E aqui é que se torna essêncial o meu amor próprio e o respeito pessoal. Até porque eu não consigo aceitar que tenha amor ou respeito por mim mesmo, se andar sistemáticamente à procura de uma felicidade rara e fugidia no coração ou boas intenções dos outros.
Existe um pequeno purgatório dentro de mim. Um quarto que na maior parte das vezes não mostra qualquer actividade eléctrica. Uma divisão que apenas pisca e cintila quando vejo os cabelos negros e longos, a pele branca como leite e o sorriso de dentes brancos. Mantenho-a fechada por razões egoístas - para que possa conservar tudo intacto. Imaculado. Mas creio piamente, que preciso de conservar esse purgatório fechado a sete chaves e apenas o posso abrir por escassos momentos de real felicidade. Só assim eu consigo viver os dias com um objetivo. Só assim eu retenho suficiente energia para continuar. Sem pensar em desaparecer deste mundo, de vez.