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 " The children build coffins
With hammers and nails
They don't build ships
They have no use for sails"

D:VS

Uma triste conclusão que todos os dias se revela na minha vida é que me sinto mais vivo no mar do que em terra. Não me iludo, claro. Viajar por terra e pousar os pés pela primeira vez em solos desconhecidos, respirar o ar e tentar absorver o que me rodeia é algo absolutamente primordial e onde assento muitos dos meus sonhos. Porém, nadar abaixo da superfície é um catalisador de existência que me consome todos os dias. E quando não consigo nadar, contactar com a água, torna-se punitivo e desgastante. Porque nada se pode comparar à viagem interna que me percorre quando deslizo debaixo da água. Nadar no meio do gelo grosso e denso, onde por vezes a luz apenas entra de forma tímida e a escuridão se torna tão intensamente senhora que mais não se pode fazer do que deixar que nos abrace. Porque já me disseram, sei que os meus olhos se tornam imensos pelo assombro e são muitas as vezes que deixo outros em aflição porque deixam de me ver ou ouvir no meio do gelo escuro. Sei que se torna difícil entender, sei que sim. Mas para mim, bem cá dentro, consigo sentir-me vivo e como fácil será se um dia quiser deixar-me levar por uma verdadeira mãe. Uma euforia desmedida e a sensação de pertença tão pulsante deixa-me quase indefeso. Mesmo sabendo que aquela escuridão e aquele gelo poderiam ser o meu mundo. Poderiam. E quando subo à superficie, enquanto os outros riem e se alegram eu executo um mecanismo que durante anos desenvolvi: controlo os tremores que me percorrem o corpo de cima a baixo. Cerro os dentes e só quem muito bem me conhece é que consegue observar a minha luta para não tremer convulsivamente. Só não consigo controlar o olhar, que se desloca de lado para outro e a face que estremece de forma quase imperceptível. Porque me sinto orfão e tivesse sido afastado à força de onde pertenço.

Todos os dias me espanto com a incapacidade de reconhecimento, pela infeliz falta de conhecimento de um facto único: que somos pó de estrelas. Por isto é impossível conceber que o universo se importe connosco. Que exista uma entidade pesando o nosso destino ou governando a nossa miserável existência. Tudo o que nos compõe pertence ás estrelas e não é pura verdade que o nosso ADN não passa de nitrogénio?  Que o cálcio dos nossos dentes, o ferro do nosso sangue e outros minerais que habitam a nossa comida, tudo isto não faz parte do interior das estrelas em queda? Capazes de actos tão belos e ao mesmo tempo sonhadores de pesadelos horríveis e corroídos porque a solidão, o estar fora de tudo, não se consegue afugentar. Apesar de habitarmos um universo tão vasto, de permanentemente procurarmos algo e apesar de necessitarmos desesperadamente da companhia de outros, não consigo explicar porque razão eu acho que nasci vagabundo explorador e ainda não consegui deixar de o ser.

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 "The river only brings poison
The well brings nothing but tears
Nothingness becomes the shadow
The shadow turns into me ..."

D:VS

Tudo tem dependido do toque. Para mim torna-se muito difícil poder avaliar o que sinto em relação a outra pessoa sem poder tocar. Que é também, sentir. Muitas vezes, por todos o segredos mais profundamente guardados e mesmo na mais intensa vontade de permanecer numa penumbra de esquecimento, é pelo tocar que regresso à superfície. Por razões que a minha razão não alcança, talvez porque insisto desesperadamente em tentar tudo reproduzir por palavras, explicar o vazio preenchido pelo toque é tão terrivelmente insustentável que sucedem dias e noites em que não consigo afastar uma apatia insalubre. E só quando não existe o toque de uma pele, a falta do respirar que alimenta os medos e desassossega a alma mais resistente, é que temos a cruel noção do vazio que existe e povoa a nossa alma e existência. O toque afasta o medo de não existir, creio eu. Mesmo que os dias sejam longos e as noites se estendam por saudades consumidas em antecipação. Como qualquer outra criatura que nada obtém sem marcas profundas, aprendi a beber o seu toque aos poucos e sem pressa.

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