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Cada noite passada contigo justifica a minha necessidade de solidão. Justifica que me afaste de todas as outras criaturas e permaneça apenas contigo e por ti. É quase uma pulsão para devorar a minha carne e não ficar louco. Maníaco. Porque nada do que me fazes justifica esta solidão. Antes conspira para engolir este quarto. Sem remorsos ou justificações. Retorno do fundo do poço enquanto vejo as folhas secas que se arrastam na superfície, enquanto adormeço uma e outra vez. E em cada toque teu eu procuro desesperadamente algo que me possa mutilar porque só assim consigo compensar a nossa distância tão tragicamente cósmica. Apenas desta maneira consigo que a dor se torne igualmente cruel. Talvez até consiga preencher o vazio que fica e sempre me corrói. Noites em que duas vidas se fundem e me fazem descobrir o quanto estranho sou à minha própria carne. Onde não existe um lar ou uma chama que me abrigue da tua partida.

 

 

Pequenas farpas que vou espetando no caminho,

 

no caminho para a minha libertação, as pessoas continuam a duvidar. Sistematicamente em dúvida. Questionam-me a mim, questionando-se a si. E nunca pensam ser inferiores a mim. Nada que se pareça.

Muitas criaturas também me odeiam e vão odiar. Desperdiçando uma emoção que poderia perfeitamente ser usada para combater a sua inaptidão para sobreviver num mundo onde o mais básico e primário habita: não se trata apenas de quem rosna mais alto. Antes de quem morde e rasga com mais eficácia!

Poucos acreditam no que se apresenta escancarado nas suas ventas. Descrentes, mesmo perante o consumado e os resultados cristalinos e sem qualquer hipótese (remota que seja...) de contestação. Incapazes de antecipar a minha capacidade de adaptação, de sacrifício e satisfação na recusa de apenas ficar a olhar. Enquanto outros fogem.

Algures, escondidos num aterro de frustração, ainda duvidam. Mesmo após anos de incapacidade para prever o que se adivinhava. Incapazes de aceitar que eu apenas sobrevivo. Uma arte que aprendi a dominar.

 

 

É pelo cansaço físico e apenas por ele que eu consigo deixar que me embale a mera acção de colocar um cigarro nos lábios e dispensando a rapidez de um isqueiro, atear um pequeno fogo com um fósforo raspado. Absorver o cheiro do fósforo a queimar  e o fumo a subir na sala. Em repouso absoluto. Com o coração a bater pesado e compassado como ordenando o acalmar da minha fadiga. Por estes momentos de exaustão absoluta em que a mente se recusa ainda a aceitar a punição das últimas semanas de livros, turnos e problemas alheios, quando permanece acesa contra todas as explicações e vontade de ficar imóvel por horas e horas. Consigo ser um alvo inerte durante horas a fio, esticado em cima da cama. Braços abertos. Imóvel. Num estado de morte aparente. É disto que eu preciso. Escuridão e silêncio sepulcral. 

 

 

 

Como se já não tivéssemos a noção do que significa perder. A grande ironia que é questionar e indagar sobre uma

verdade única e descobrir  que não existe. E que após esta conclusão nada melhora. Piora.

Recuso-me ao falso odor da santidade. Não aceito que nada disto seja mais do que um jogo de dados com o destino. Uma predisposição em que não acredito. Porque não aceito e não quero! E pelo menos ainda retenho dignidade para me levantar todos os dias. Como é possível que assim não seja? Ou isto ou a aceitação de uma vida como tantas outras: a unir os pontos preenchendo um padrão definido. Talvez por isto, alguns de nós prefiram os ganchos na carne das costas. Um meio de sentir algo. Antes desta maneira, creio. Afinal, marcho num mundo dos que se auto crucificam falhando a árvore perfeita. Dos que arrancam o olho errado e dizem escutar o assobio do fogo eterno.

Como se tudo fosse ficar certo e justo um destes dias. Como se os sonhos fossem uma realidade um dia destes. Acreditando em deuses solenemente aborrecidos, com dedos em formigueiro e disposição de nos retirar do universo. Como se alguma vez fosse possível dormir em paz entre destroços queimados!

Como se, caminhando como vagabundos embriagados entre montanhas, nos tornasse melhores. Entre purgatórios escritos em latim.

Como se isto fosse muito mais do que é. Uma pequena nota escrita na margem de uma existência insignificante.

 






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