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Reconheço-te Entropia.
Por momentos, escassos que sejam, reconheço a impossibilidade de te conter e definir. Mas creio ser essa a real razão destes momentos. Transformados em dias e meses. Anos! Sempre julguei que não chegaria a tal. Reconheço que será sempre prematuro e sou incapaz de prolongar no tempo esta emoção que consome. E consumo sem moderação. Coisa minha, claro. Excessos...
Se não consigo definir-te pela alma que reténs, sei seguramente, criar a luz que ilumina a tua forma humana. Nota, eu não te creio humana. Eu, racional e muitas vezes incapaz de expressão válida. Que possa servir de inspiração. Porém, como sempre, existe um método para a minha loucura. Ainda me é possível imaginar-te humana. Ou então, porque seria o tiro final, próxima de todas as outras criaturas que habitam o mundo.
Consigo olhar-te e encerrar-me. Consigo, quando me tocas, sentir uma dor desconhecida. Ainda não a consigo decifrar, mas dói. É dolorosa a conclusão: reconhecimento da inevitabilidade de te pertencer. E por isso não és humana. Porque desde o primeiro olhar e sorriso toda a minha resistência se esfumou. Só consigo sair deste caos quando me estendes a mão. Mas não acho que me tenha aberto as portas do mundo. Não creio que a tua função seja mostrar-me todas as cores do mundo. Ou então, se calhar apenas ergueste o espelho e deixaste que me visse. Exactamente como sou.
Mesmo assim os meus anos de vida nunca serão suficientes para te agradecer.
Still glowing ashes ...
Gosto do caminho feito no gelo branco. O peso das botas que se afunda na neve macia. Gosto do arfar fatigado e do vapor gelado que se liberta do corpo em andamento. Porque sempre persiste a ideia de calor. Ou então, a vontade que assim aconteça. Tantas vezes, o vazio do inverno é preenchido pelas visões de refúgio. Onde existe o fogo e a bebida que embebeda. Tantas vezes ... O calor do afago e reencontro. O contacto do corpo ... É difícil explicar ...
Como posso eu explicar a importância de um beijo ou carícia recebida? Como? Se eu próprio não consigo explicar os meus beijos ou carinhos. Se tantas são as vezes que me silencio, incapaz de de proferir o que seja em defesa do que recebo e dou ... Não se nasce a aceitar o silêncio como resposta. Poucas são as pessoas que percebem, que nascem, capazes de compreender o peso do silêncio. Sei que sim. Porque também sei que este sossego nasceu comigo. Silêncio. Por isso é fácil perceber como pesa.
Veja-se que não o lamento. Mas aos meus ouvidos quando me é segredado "amo-te", soa-me tão estridente! Sentir-me parte de outra pessoa? Alguém que eu possa trazer para a minha sombra? E depois? ... O abraço amado e o resguardo que me assegura que tudo irá ficar bem. Terminar em paz.
Eu ainda persisto na ideia. Ainda. Não consigo sentir algo tão intensamente debilitante por mais ninguém. A razão é cristalina. Morreria seco.
Emil Cioran ...
Talvez fosse necessária toda uma vida para aceitar tudo o que foi deixado para trás. Tudo o que não foi corrigido. Estas, serão sempre as mais severas chicotadas. Estes serão os golpes mais fundos. Por estas escarpas é praticamente impossível passar.
Creio nesse frio que cresce cá dentro. Acredito nos céus rasgados porque creio que se torna possível que sejam criados em nós. E não são necessárias mais criaturas ou maiores palavras para servir de testemunho ao que foi deixado abandonado. Basta que note como se morre lentamente por estes dias. E eis que tudo se torna um mal menor aos olhos mais experimentados. O sussurro de amor descamba naquela faca fria e cínica sempre pronta a rasgar a garganta. Os olhos imensos, profanos de excitação e desejo, eu já muitas vezes testemunhei, tornam-se diferentes. Afogados naquela casa onde a razão já não reside. Deixou de habitar.
Chama-se calor humano. Não me interessa quantificar, saber desde quando. Pessoalmente e porque me considero acima de qualquer outra coisa menos importante, um viajante, temo ter de admitir que o que me aquece está muitas vezes longe de mim. Daí que seja pouco provável escutar outra melodia de encanto senão a que escolhi para guia. Portanto e sozinho com os pensamentos, afogo-me nos minutos e horas que me separam do que já não pode realmente ser corrigido. Porém, sou incapaz de me votar a qualquer arrependimento. Incrédulo a perdoar. Recusando pedir perdão.
Aske ...
Não somos filhos de deus. Não dormimos em camas celestes. A nossa mãe chama-se noite escura. Responde pelo nome escuridão. Nunca como hoje, isto foi tão revelador. Tão intensamente intimo do que sou. Do que somos.
Não acredito em luzes de conhecimento. Não existe luz ao fundo do túnel! Seja ele qual for. Nascido de uma mãe apenas para que me fosse permitido conhecer a escuridão e as sombras. Nem sequer isto me chega. Sei que não chegarei a envelhecer e muito por minha culpa. Apenas por minha saudade e culpa. É estranha, esta forma de meditar sobre deuses que não existem e que ainda assim são chamados e sacrificados. Ainda assim, inspiram a festa e a hipocrisia.
Somos pó de estrelas. Existimos enquanto existirmos. Com o fim eu só consigo imaginar escuridão. Sonhar com outros espaços e não este em que habito e caminho todos os dias.
Sei, no entanto, como pode curar e ser doce a canção que embala quem é filho das sombras. Longe dos que aparentemente ... me querem salvar.
A distância é a minha grande madrasta. Egoísta e tirana. Sempre à procura de me ver nadar em destroços e lama. Em necessidade absoluta e disposta a baixar a guilhotina, caso seja necessário. Não comanda a mente porque não aceito. Não existe espaço quase infinito entre os meus pensamentos e o lugar onde encontro salvação. A distância é tirânica com o meu espaço físico. Com os meus passos e como torna penosa a caminhada até ao norte dos nevões e da escuridão quase permanente. Não consigo negar este facto. Mãos suaves e brancas como neve que se entrelaçam nos meus dedos. Lábios piedosos que sopram vapor quente na minha face e um respirar terno que me ajuda. Salva. Socorre. Tantas vezes que me esqueci.
A madrasta não consegue que me esqueça. Muito menos que deixe de pensar em saudades. Na incapacidade de comunicar com outros. Mesmo sendo eu, por absurda ironia, muitas vezes canal e porto de recepção do que outros comunicam. Precisam de comunicar em desespero. Não consigo comunicação com quem me rodeia. Pelo menos neste local. Porque estou ligado e sujeito a outra distância. Quase outra era.
Não existe colectivo. Não é necessário. Nem sequer presumo a existência de lobo solitário. Um mito.
Existe distância e necessidade de correr. Existe saudade intensa. A fome pelo Bourbon misturado com mel puro em doses precisas. Uma estranha iguaria que queima e desperta os desejos mais escondidos. Como se de feitiço se tratasse. Existe a exaustão física final, quando nada mais resta. Exposto, frágil e absurdamente consciente de que voltarei a estar distante. Mesmo que saiba ser para breve que deixarei de estar longe. Recusando-me a respirar outro ar, escuridão ou espaço que não o seu. Meu.
Começa por um som que reconheço desde sempre. Gravado na mente. Pode ser uma nota de piano, principalmente o vibrar de cordas de uma guitarra clássica, que sempre se crava no meu cérebro. Tem de ser tocada com a destreza de quem se sente realmente triste. Creio que apenas desta maneira de sentir se consegue abrir a alma para que outros, estes mais incautos e estranhos a outras paragens, sintam. Resvalem em queda livre. Um som que se pode muito bem transformar em soluço e aqui, nestes segundos, eu paraliso. Quem soluça assim não chora, realmente. Contrai-se e respira de uma maneira estranha. Pouco natural. Por isto, é impossível que alguma vez eu esqueça este som. Porque é transversal a tudo o que eu possa considerar racional e aceitável. Demasiadas são as vezes em que me forço a certas reconsiderações. Penosamente. Por este som.
Na maior parte das vezes, passo longe e ao largo. Consigo sacudir o pó das estantes emocionais dos outros. Na maior parte das vezes ... Noutras, aquela suprema habilidade de caminhar como um ladrão de cemitério em noite escura, esvai-se em fumo. Eis que surge a impossibilidade de explicar desde quando tal som se tornou tão vivo em mim. Desde quando uma corda de guitarra, um soluço aflito ou aquele pingar solitário de uma torneira de cozinha em plena noite tardia se revelou tão importante para mim. Como se algo realmente necessário, tão importante como respirar e caminhar, estivesse para acontecer.
Descobrir aos 13 anos, friamente relatado por um médico local que tresandava a álcool, que muito possivelmente o meu futuro de adulto não seria um paraíso físico normal, que pela forma como se apresentavam as consequências, transformariam a minha vida numa penosa e lamentável jornada, serviu, em muito, apenas para cimentar a minha necessidade de entender o sofrimento. Não a possível dor mental, que nasce em nós e nunca se esvai. Apenas na morte. Antes a física. Algures, o relato médico, hostilizou o meu orgulho. Mesmo que apenas fossem 13 anos, depressa comecei a matutar o que deveria e iria fazer.
Talvez seja revelador do que sou. Não pretendo afirmar o contrário. Mas creio que já nasci assim. Incapaz de aceitar certas realidades. Temos de ser capazes de criar o nosso próprio mundo. Estabelecer regras e aceitar as consequências. O orgulho, por vezes cego e filho da puta, sempre me ajudou a aguentar e até aceitar a dor. Não porque assim tem de ser, mas porque não é possível evitar. Simplesmente por isto. E eu próprio me tornei perito em auto punição. Quando não dói é preciso que o faça acontecer. Sim, irónico mas verdadeiro.
Para superar as minhas limitações físicas, para alem de estudar e continuar a varrer livros, decidi tornar-me forte. Fisicamente forte. Há anos que levanto pesos; cego e surdo ao bradar dos médicos. Imerso no meu universo. A fraqueza muscular já deu o seu lugar ao músculo denso e potente. Tem sido doloroso. Dolorosamente debilitante. Mas a vitima fraca e débil que passava os dias debruçado nos lençóis converteu-se, como outrora alguns gostavam de afirmar, na besta irreconhecível! Já não anda dobrado e vergado. Caminha erecto e ( como sempre...) orgulhosamente capaz.
Tenho afinidades sinistras com a dor. Deixei de fugir dela e creio que a aceitei quase como senhora de mim. Decidi tatuar muito dos meus últimos anos de vida. Ainda não foram vividos muitos, mas já deu para preencher os braços e quase estar a terminar as costas. Duplamente doloroso já que tatuar massa muscular excessivamente desenvolta é quase tarefa homérica. Porem eu quero que seja e se faça assim. Desenhar extensões tão grandes é, garanto por minha experiência pessoal, aprender um catecismo de dor que transfigura e remete a uma humildade humilhante. Apenas o orgulho genuíno persiste na febre que assalta e debilita a cada traço. Por isso só consigo rir quando oiço alguém desejar uma tatuagem, já que é moda ter uma "coisinha gira" num tornozelo e esquecerem que deveria ter um significado. Não apenas decorativo. A punição física e mental que aceitei e continuarei a aceitar tem um motivo e uma essência. Conta uma história ainda curta mas que é preciso que eu recorde. Quando me sinto a fraquejar e a fugir, basta que me dispa e depressa recorde.