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Talvez ficando em silêncio seja melhor. Creio que pode ser a maior prova de respeito por pensamentos que não são meus. Torna-se difícil, muitas vezes, poder acompanhar a torrente de palavras usadas para tentar explicar o que quer que seja. Pensamentos traduzidos em sons são raros. Porque são arrancados a ferros. Mas o pensamento é, absolutamente, solidão. Sempre acreditei nisso. Ainda hoje acredito.
Nada se lhe compara. Solidão real, muitas vezes palpável e dolorosa. Mesmo achando-me perdido entre rostos e abraços, os pensamentos são a última fronteira que nos separa. A mim e a ti. E é ficando em silêncio, mesmo entorpecido pelas magras palavras de explicação, que respeito essa solidão.
Não é nada incomum, pelo menos para mim, a dureza do afastamento e a contrição de estar só. Eu escolho muitas vezes esta situação. Porém, consigo perfeitamente adivinhar a morte lenta dos que não quiseram e muito menos escolheram a solidão. É como receber um soco sem aviso. Sem merecer. O desgosto que invade os dias e as noites é uma companhia que se senta à mesa, em frente a nós. Exige ser alimentada. Não emagrece. Engorda com os destroços.
E o silenciar? É melhor? Por mim falaria. Mesmo que nada mais do que lugares comuns. Mas a companhia que te faço tem de chegar. Não é fácil dançar por entre ruínas e tu bailas mal no meio desta escuridão.
Pouco importa, eu não estou cego e ainda te vejo. E tu sabes que eu sei dançar.
O que é isto?
Esta é a minha imagem. O que sou e em que acredito. Aquilo que me faz respirar e mantém vivo. Transformação e caos. Nisto reside tudo. Tudo. Ainda assim e por estes dias de arrasto, nada chega ao que quero. Um preço a pagar.
Onde está a beleza?
Alguma vez me considerei belo? Não creio. E não é porque não acredite em beleza. Apenas não me revejo nela. Creio bem que se deve a esta preferência por sombras em vez do sol. Talvez não consiga libertar-me desta sensação de que algo está sempre errado. Aprendi a viver sem a beleza dos outros. Aceitei que alguém ( e apesar de tudo ...) visse harmonia onde eu não vejo. Mesmo não compreendendo. Aceitei.
Exit wounds ...
Diz-me em serena tarde, lá para os finais do verão e quando o entardecer mais se assemelha a uma saudade cor de fogo que é necessário que paremos por ali. É absolutamente essencial que nos sentemos à porta da sua casa, num alpendre de madeira podre, enquanto bebemos o chá nascido de uma qualquer erva que ainda cultiva nas traseiras da casa e mastigamos biscoitos de canela ( os meus preferidos). E porque sempre foi uma mulher silenciosa, que apenas fala quando tem realmente algo a dizer, nos momentos em que nos sentamos lado a lado opera-se uma estranha magia: deixa que se soltem as palavras. Eu sei o que normalmente diz, ainda assim escuto-a em silêncio. Sorri melancólica. Por entre uma boca desdentada, pele branca e repleta de rugas ...
" tens o cabelo muito comprido,"
" o cabelo está demasiado curto,"
" és meio doido, mas acho graça a esses desenhos no teu corpo. Doeu muito? ..."
" não tires os óculos escuros, sabes bem que tens os olhos demasiado claros! ..."
" como está o chá? E os bolinhos, suficiente canela? ..."
Limito-me a agitar a cadeira e absorver. Estranhamente, reconforta-me.
Sei porque deseja estar no alpendre no conforto de duas cadeira de baloiço que gemem e rangem. É por aquelas horas do fim da tarde soalheira que o resto da povoação se junta no largo. Logo em frente ao alpendre. Oiço a música que anima as suas conversas. Por vezes e se eu estiver particularmente atento vejo que os homens dançam. Levantam os pés do chão e batem palmas com as mãos; seguidamente batem nas pernas, executando um volta como bonecos tontos. Ela ri-se. Eu sossego a alma. Sei que quer que eu veja isto. Pressente o que isto me causa.
Finge severidade, quando acendo o cigarro. Volta a sorrir, enquanto executo círculos com o fumo. Avisa-me, quando distraído, deixo o cigarro a queimar demasiado tempo entre o lábios. Absorto no surreal que baila em frente e imerso no cheiro intenso a canela que caminha a passos largos vindos da cozinha.
Cada vez que isto acontece é como se tudo fosse sincronizado. Cada osso partido. Cada fim amargurado. Esquecidos. Cada segunda tentativa acabada num qualquer muro a matar tempo, aceite. Mesmo que tudo não passe de um consolo temporário. É possível descansar.
Les voyages de l`âme ...
Dentro desta jaula, embrenhado em duendes que comandam o sono, é praticamente impossível não aceitar o castigo. Porque se tornou um velho hábito, quando não estou contigo, prefiro ficar só. E não apenas sozinho fisicamente. Só. Em todos os meus pensamentos. Relembro tudo e nem sequer os livros de estudo em cima da secretária são a companhia que afasta os ecos dos meus passos no corredor escuro da casa.
Nada há que lamentar. Afinal tudo tem sido escolha minha. Apenas eu e só eu mesmo conseguiria suscitar esta incapacidade de nutrir outras presenças. Porém, o que ainda me custa a todas as horas e dias em que simplesmente me dedico a respirar e caminhar, é o segredar maligno do silêncio sem a tua risada. Mesmo em plena escuridão, mesmo entre blocos de cimento, é a sensação que realmente me mata lentamente. Em cinismo premeditado.
E que estranho é! Eu creio ser capaz de matar tudo o que se assemelha a desilusão, por vaga que seja. E não consigo respirar sem o teu som, sequer. Esta exaustão contínua bebe aqui, neste silêncio. Este cansaço permanente é uma doença que se aquieta apenas quando te oiço.
Sei que sim. Não conseguirei manter a sanidade por este caminho. Sei de forma segura e tão real. E portanto, é até consoladora. Esta fome que não se espanta.
Photo: Johan Strindberg
Pelos dias onde a miséria se torna absoluta e presente? Três passos atrás. Por entre dentes, silvando em silêncio, resmungando tremores de frio. Sentado. De olhos cerrados. Longe do sol nascente. Dedos juntos em preces sem deus. Chora e agita-se. Em cada dia passado, alimenta a morte que nunca mais chega. Bastarda! Nunca mais chega e nem sequer precisava de bater à porta. Bastava retirar as mãos dos bolsos mágicos e acenar.
Hoje? Mais uma marca. Nada a fazer e nada mais. Prostrado e calado. Olhar ao longe... em direcção ao solo. De olhos vermelhos e receosos. Dá vontade de abraça-lo e sussurar-lhe palavras de sossego. Mas, e porque a miséria não é realmente física, é antes quando a alma cede em lenta agonia, bebemos café tão negro e amargo como os pensamentos martelados e pregados a aço que lhe fustigam os dias. Fica o ardor na língua que não se agitou para falar. Permanece a vergonha pela incapacidade que temos para transmitir calor humano, esse mítico profeta de harmonia que nunca existiu, a não ser em sonhos. Ou não fossemos nós fios condutores tortos e disformes ...
E se pensa voltar atrás, talvez recuperar o que foi perdido, depressa desiste. Seria forçado a tragar toda a lama deixada pelos cantos caminhados. Antes aquietar-se em miséria. Esperando. Ombros descaídos.
... E a bastarda nunca mais vem!