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O bode expiatório é muito semelhante a uma certa farinha administrada aos infantes de tenra idade que geração após geração os tornava encorpados sempre a raiar picos insensatos de insulina, que por sua vez muitas e em bastas ocasiões os deixava preguiçosos e a vislumbrar assim, de ventas ao vento, um futuro nada risonho, aguardando o toque final do peido-mestre na campainha da vida.
Este bode é uma lenda de séculos mas não o famigerado bode anjo-caído que esse de caprino nada tem; reza a dita lenda que serve para expiar culpas e delitos de outros. No fundo, bem acamado, serve de bombo de festa e sempre vai vestindo uma burqa de purificação pessoal tentando que outros sejam bodes para expiação dos seus males; estes bem mais reais e vulneráveis .
O bode expiatório é um artesão supremo que decidiu cozer em si as maleitas deste mundo. Precisamente quando a necessidade de culpa cresce, o dito bode saltita esbaforido pronto a acatar a peste. Todos os caminhos vão dar ao seu lagar de culpa e desvelo depressivo. A senha de acesso ao seu coração cordial implica sempre as palavras "porquê eu?" ou então, "injustiça".
E tudo parece ser sua culpa: se não brilha a lua, agitam-se as peles assumindo o dano. Porque razão é a sua vida um mar de incompreensão? Se conseguisse rosnar em vez de balir, o dito bode que expia seria o berro dos oprimidos; os alvos de tanta voracidade e criaturas abjectas.
O bode expiatório desanima perante os tabefes da porca vida; a sua aura vai cedendo ante as biqueiradas da injustiça alheia. Ele não escolheu ser o fruto pecaminoso da virulência das hostes bárbaras! Vai expiando culpas mas é santo e incorruptível, sabe que este é o caminho a seguir para pastos mais verdejantes.
Tal como reza a lenda, este manso filho da natureza tem apenas vontade de harmonia. Não existe pois um pingo de justiça nas rasteiras traiçoeiras da realidade. Na sistemática predação de criaturas cujo lugar é o submundo.
** O martírio ... é a única maneira de ganhar fama sem ter competência. **, Bernard Shaw
O fascínio que sinto na observação da inoperância humana, só consegue mesmo ser ultrapassada pela leitura das suas manobras para fugir de uma fatalidade. Creio que a mera presunção de muita gente na ideia que a vida lhes deve algo, que em algum espaço desta existência haverá direito a uma compensação que console, no mínimo, uma desilusão por anos de decisões erradas, leva ao desespero de tentarem vestir uma pele de lobo. Esforço em vão. Porque os lobos não se vestem. São.
Como quem mendiga na vida a sua sorte maldita e sempre ignorando que esta não existe, porque não é parte da causa e efeito. Os erros de uma vida inteira a cometer banalidades pessoais são inevitavelmente pagos por um fim de existência medíocre e em desespero; enquanto se tentam truques de luz para encher aquele poço de nulidade tão carinhosamente escavado durante anos, sempre com a mesma triste noção de necessidade e amor ao próximo.
Existem danças que eu não compreendo. Nem sequer pretendo que assim seja. Quem se deseja dançarino nesta vida porque anseia sentir os ventos e o perfume glorioso de um caminho que nunca será o seu causa-me riso. Como se pode dançar na constância maquinal e acanhada de uma vida em martírio, onde todas as opções decididas conduziram a um beco de absoluto nada, intriga-me.
Resta-me uma pequena reserva de riso sábio no final de certos dias, quando tantas vezes se desligam máquinas e teclas, quando se esfregam olhos cansados; principalmente quando se giram os olhos em volta de si mesmos e assenta a realidade pura de nada se haver construido: tudo permanece no mesmo nada.
Não existe realmente êxtase neste sonhar com o que nunca será seu.