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" The litle shadow of you ..."
(999)
Não concedo a mim mesmo aceitar a transformação forçada pela existência de outra criatura que se converteu numa chama demasiado brilhante. Recuso-me a aceitar a minha incapacidade de poder sonhar com um futuro sem que toda a soma e diminuição envolva o respirar com ela; que se tornem amargos todos os dias de viagem outrora solitária, perdidos nesta fome estranha e debilitante.
Todos os dias são de batalha contra este fogo lento. Questiono como foi possível permitir este assombrar por quem se veste de fragilidades? Como pode o que é rochoso evaporar-se ao riso branco e cristalino. Onde reside realmente o propósito de me render a esta devastação? Que incapacidade humilhante é esta de resistir a uma sensualidade tão carnívora e real? Como se podem baixar os braços sem questionar? Como se já a esperasse há muito tempo.
Quando não somos nós a encontrar mas a ser encontrados tudo se transforma em sentimentos pardos. A língua que toca na face é a demonstração cabal de uma animalidade intrínseca que se revela mais uma das suas artes escondidas. As mãos suaves, desmedidamente suaves, tantas vezes conseguem espairecer o fluxo sanguíneo de um corpo sistematicamente tenso, pressionando o pescoço rígido, descomprimindo a alma; relembrando-me com uma mestria absurda que também existe em mim ossos e carne.
Existe uma persistente analogia que perfura sem retiro a minha consciência desde os primeiros momentos em que estou acordado até aos últimos segundos antes de adormecer. Estranhamente, reduz a nada tudo o que aparece cantado por bardos e poetas. Não cheira a rosas ou traz consigo o amanhecer dos recantos amorosos. Tem a potência de um manifesto venenoso para criaturas como eu. Uma necessidade de repetição; como um último desejo antes da morte. Torna-se absolutamente essencial que volte a escutar uma única voz. Uma gargalhada que consegue dissolver ácido e ódio. Um círculo de braços em volta do meu pescoço enorme, pernas cercando a minha cintura, seios contra as minhas costas e um perfumado respirar na minha nuca, enquanto carrego o seu peso de anjo: para que os seus pés não percam o calor no chão gelado. Porque as minhas botas são sempre mais pesadas e grossas do que as suas.
Recuso aceitar uma criatura que me salva pela mera força de existir. Não aceito que seja tão ténue a linha do prazer e dor. Recuso a vitalidade que devolve ao que perco. E no entanto, eu sei que tenho mais do que mereço. E alguém sabe, advinha, como bate a minha alma. Sabe que daria a minha miserável existência por ela. Nada tem de dramático ou romântico, esta morte. Seria apenas a mais valiosa oferta da minha posse.
E seria pouco. Nada.
Parafraseando a insanável Isa, vou "ahahahahazar",
"AHAHAHAHAHAHAHAHAHAH!"
Como óbvio se torna, venero este senhor.
De alguma maneira consegue desestabilizar-me ...
(999)
A redenção tem um preço. Escorre com um sabor acre. A mim sempre me pareceu. Só os conscientes do naufrágio procuram a redenção, como se de uma amante infiel se tratasse. Vamos desfiando os dias no falso sossego da salvação; talvez dentro de horas anoiteça e consigamos dormir.
Sono.
O verdadeiro pathos para a redenção. Ironicamente, dormir é rendição. Redimir sem batalhar. Nem sequer será o afago terno do abraço transformado em caricia. É não lutar. É descansar. Dormir.
Eu tenho visto tentativas de redenção em poucos rostos. Mentiria se afirmasse acreditar nas faces que sorriem, tentado a salvação. É meu descrédito, mas quem respira uma vontade de redenção não consegue sorrir. Sei antes que vamos apodrecendo um pouco mais em cada tentativa. Temo que um sorriso se revelaria demasiado penoso pela consequência.
Não tenho a certeza mas numa espécie de arremesso deixei de procurar a redenção nas cápsulas e pequenas substâncias redondas como ilusões de esperança, e reconheci a necessidade de vagar sem a doce certeza de que o que foi deixado seria sempre uma garantia de pacificação. Sintética juíza da minha incapacidade de salvação.
Estranhamente, não existe deus na redenção. Apenas uma monstruosa noção de vazio e da sua necessidade de preenchimento. Um brilho intenso nos olhos como numa permanente vontade de devorar. E uma certeza, clara como uma manhã de verão, de que não existe uma cura. Apenas se vive entre mundos.
Nós, procurando um redimir, vamos pontuado o nosso corpo com cicatrizes e imagens, numa vertigem quase messiânica de aviso e arrependimento. Dolorosamente convencidos dos traços deixados transformados em cinzas.
(999)
A martelada final, a que é dada em excesso e sem necessidade de ser executada porque inevitavelmente irá destroçar a madeira, é sempre desferida pela pequena criatura compacta. O golpe é sempre aplicado depois de muitas outras criaturas; serve apenas para tentar demonstrar que está viva e desesperada por atenção.
A criatura pequena envolta em maneirismos compactos absorve o pó das atmosferas alheias. Sem vergonha, imita. Clonando palavras e gestos desfeitos na acidez de um temperamento misturado. Impuro. Regressa quando os outros, seus espelhos distantes, já se afastam. Mendiga sem compreender que os outros já são ricos.
Ao que se transformou não aceita e permanece de joelhos, inculta aos ferimentos e cega ao seu próprio adormecimento. Os fenómenos, acampados pelas monções, que lhe fustigam as ideias, são sempre expostos até ao nojo absolutista; oscila pela corrente de uma maré que não entende. Se é necessário fornecer o rebanho com as armas de guerra assim será feito. Se rasgar todas as normas biológicas for a nova paranóia e propagar a existência de um número infindável de termos absurdos, segue em fila e disposta a cumprir. Se usar a a cor da pele como artefacto para justificar uma imbecil noção de privilégio e ilusório domínio vier dar ao seu consciente retardado, depressa será exposto. Por imitação de macaco porco e idiota.
Mas o que mais me fascina de maneira tristemente decadente é a execução sobriamente técnica do compactar destas criaturas. Injectam em si próprias, qual escorpião estropiando-se para morrer, o sinistro soro que dissemina o erro do pensamento: compreendem política, filosofam noções e mistérios existenciais sem alguma vez destilarem a constatação de que todos possuem opiniões, mas a matraca deve ser fechada porque raramente são merecedores de verdadeira atenção.
É o compacto passivo que prova o caviar e afirma adorar pensando nos ovos salgados com nojo. Na atitude prepotente e ameaçadora da outrora querida que descarrega a crescente menopausa em mais uma imagem de aplauso na rede social. Na obscenidade compacta, gorda e arruaceira, colada ao sofá de pele borrifando insultos a bonecos que correm atrás de uma bola.
É o compacto que na derrota profere abortos na forma de escrita e assume conhecimento. Que na maior das desonras fala sobre o que nunca entendeu para quem assiste. Como se imitar e clonar fossem atributos a justificar a tirania de idiotice.
(The Principle of Evil Made Flesh)
" Aquele que se delicia com a solidão ou é um animal ou um deus." - Aristóteles
...
(999)
Eu não tenho ídolos. Creio ser essencial para a minha sobrevivência matar os ídolos. Nada tem de filosófico esta necessidade parricida. Apenas um instinto primário de consumir o hospedeiro para subsistir. Respirar. E é nosso. Meu e de todos. Este desejo de consumo. Não me sinto culpado.
Eu tenho luzes que aceito como estradas e abrigos. Referências tresmalhadas que habitam na minha vontade. Todas estas luzes, faróis de navegação descompassada, são a materialização da morte do conceito humano de deus e o cimentar do meu mais puro ódio contra todas as religiões. Fascinam-me individualismos onde não existem tronos de castigo de fogo eterno ou prometidas virgens.
Um hedonista que se deslumbra no espasmo da mentira de tantos que julgam possuir virtudes e direitos oferecidos por deus. Um viajante meticulosamente fascinado como uma criança perante a América de Idaho; deslumbrado pelo puritanismo de Adão e Eva, armas vendidas a preço de saldo nas mercearias mas que a quem procura uma verdade diferente, nada existe que incomode. Descoberta de um local encantado onde se pode possuir uma montanha nas traseiras da casa. Onde, absorto, estarrecido e deslumbrado, consegui ver um grande Alce na estrada gelada! Um enorme Urso! Um truculento Lobo!
Não tenho ídolos. Decidi sentenças de morte. Simples.
Quero conhecer o que pensam as estrelas de nós. Sinceramente. Vasculhar entre os fios da realidade as adoráveis silhuetas dos poucos eleitos capazes de beber utopias. Pessoas que me rasgam as convicções e ensinam a regressar para escapar, desaparecer, render-me ao espaço e ao silêncio tirano. Encontrar abrigo nas fissuras da armadura.
Floresta negra onde olhos verdes que brilham se convertem em desarmonia e urge que sejam escondidos. O corpo deve ser pudico e amplamente coberto, porque a visão de quem se cruza parece absurdamente severa diante o exagero de tamanho. Não se deve sequer tentar juntar os ombros com as montanhas que nos cercam. Aqui as mulheres ainda se atemorizam com o peso e tamanho de um homem.
Viajo incansável porque as luzes se afastam. Sou uma criatura de colheitas que sorve atmosferas. Humilhado pela sua insignificante presença no universo. Assombrado por chamamentos de prata e ouro onde pensei ver apenas um olhar distante e frio.
No velho cardápio de atrocidades cometidas contra as emoções, o humor é um dos mais visceralmente retalhados. Uma emoção que deveria permanecer cristalina e sabiamente trabalhada, polida e afoita na sua convicção, transformada em descampado de entulho.
Porque deixemos qualquer sofismar: a maior parte das criaturas supostamente racionais que pulula debaixo deste sol não tem graça. Nenhuma graça.
Isto é ainda mais persistente para alguém como eu cujo o sentido de humor nunca se revela particularmente frequente e por isso mesmo é tão rapidamente visível esta brutalização. São escassos os iluminados que conseguem despertar em mim a veia do riso rasgado. Porque possuir a dádiva do humorismo não se revela nas expansões de uma grande maioria que imagina humor com a boa disposição da palhaçada geral; onde todos devem ceder às graçolas infantis. Lamentavelmente, é desconfortável para mim ser forçado a suportar a falta de graça.
E é o despenhar mais absoluto, a mais firme e inominável imbecilidade, quem não tem um centímetro de graça, sujeitar a nossa já caduca realidade ao conspurcar do universo irónico. O anátema mais cretino, vil e despropositado de quem se encarrega de transformar o riso num mero esgar risus sardonicus estremece toda e qualquer lei de bom senso, pela mera profanidade de tentar juntar ao humor a ironia. Só um traidor humanóide cujo secreto lema seja cilindrar a pouca tolerância existente, se delicia a assassinar a fina e rara arte do humor irónico. Bem tentam: escrita em piadolas incoerentes dançando destemidos na ilusão da ironia. Seguidos por um parco séquito de iguais pigmeus a bater palmas a quem não tem graça. Apenas por amizade e espírito de cretino.
Uma falha minha. Reconheço. Limitações na minha engenharia não permitem laivos muito extensos ao humor. Sou incapaz de sentir emoções perante o castiço supostamente engraçado do vernáculo alheio; piada escrita em televisão, rádio e principalmente ao barbarismo da criatura comum que tenta a ironia humorística no pequeno blog.
Crucifico a minha consciência. O pouco acesso de riso que é da minha propriedade vai para o inquinar de uma sóbria minoria que como eu venera o humor seroso, fleumático, sem dúvida, que procede de modo maquinal ao destroçar da maioria inferior. Utensílios de destruição maciça? Ironia e humor negro. Inatos. Sempre inato e impoluto.