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O supremo teste de força não se regista em quilos. Não se revela na capacidade de absorver dano físico. Ou persistir na ignorância de oferecer a outra face. Nem sequer reside no sacrifício.
Tudo testes de força. Sim.
Insignificantes.
A verdadeira magnitude de força tem tanto de épica como visceral. Começa com um pequeno, quase imperceptível, acender interno. Cósmico. Mesmo não sendo da grandeza de um planeta. É capaz de crescer em proporção com um universo.
Exemplo?
O confrontar pessoal com a nossa mortalidade. Os passos e dados que se apresentam aos olhos pessoais. O medo nascido e que imediatamente procede a saciar-se na fonte dos receios e estimativas de vida. Mesmo que sendo apenas possibilidades. Está dentro. Entrou.
E o teste soberano inicia os primeiros passos no "porquê?". Para os verdadeiros guerreiros(as) perceber que afinal a morte existe, mesmo que não expressa com certezas, está ali a espreitar na curva, desistir de resistir será, inevitavelmente, o mesmo que a rendição sem convocar os exércitos. Sem glória e para esquecimentos.
Existe uma estranha luz na pessoa comum que confronta a certeza da sua mortalidade. Eu já o fiz.
Mas o portento de ver uma criança deitada em sombras a pelejar uma vileza torpe a arrastar-se onde não pertence nem sequer é homérico. É um embaraço a tudo o que considero digno. Ultrapassa todas as minhas convicções de bravura tresloucada.
A virtude de quem se vê frente-a-frente com um asqueroso corpo estranho, intruso, uma possibilidade de muros desconhecidos mas que devem ser ultrapassados, e se recusa a deitar no leito da doença, mesmo que consumida por dúvidas e anseios, é o inicio deste teste. Creio.
Pequenos passos. Invocação de forças. Mesmo nas lágrimas e nos lamentos. Mesmo no espelhar dos locais familiares. Mesmo na sensação de nada sentir.
Faz com que eu, sacana cínico e descrente, incline a cabeça em cedência. Afinal ainda há esperança oferecida por algumas criaturas.
Mesmo permanecendo descrente deixo de o ser estupidamente. Nesta aparente fraqueza e fragilidade dos primeiros sinais, alguém se revira e prepara para destilar força.
Resistir antes de desistir.
Os deuses estão orgulhosos.
Sim.
(999)
Eu já vi a tempestade a formar-se nos seus olhos. Nada semelhante aos ventos e chuvas que em tantas luas atravessam as minhas ideias. Nem sequer nos sintomas imprevistos.
Em mim cresce uma fúria tão venenosa que seca e envenena se não for contida. O verde dos olhos desce quase ao grau zero nas pálpebras que se vão cerrando.
Nela, os olhos negros crescem. E inevitavelmente, uma grossa veia nasce na sua fronte. Um relâmpago a explodir entre os olhos da tempestade. Eu rosno. Ela parece silvar. E ainda assim, a sua expressão não se distorce. Permanece temível naquela beleza quase, quase inexplicável para mim. Outra criatura deveria afastar-se cautelosamente. Eu respiro aquele furor. De sentidos em alerta e excitados.
Em mim a tempestade permanece dias. Bastas vezes aquietada apenas por ela. Nela parece esfumar-se. Desvanecer-se ao seu gosto.
E eu, apenas eu consigo sentir quando a tormenta começa a desfazer-se num último registo de beleza divina: os olhos pacificam. O relâmpago esmorece. Em esquivos milésimos de segundo a ponta da sua língua viaja pelos lábios num gesto cansado e intensamente frágil.
Uso então, toda a massa do meu corpo para a proteger. Também eu absortamente frágil e cansado.