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Assistir ao teste foi apenas confirmar algo. É como agarrar as palavras de Nietzsche pela milésima vez e saborear a noção do encontro com a verdade que eu já conheço: nesta confirmação está uma certa pacificação.
O inferno não tem fogos eternos de sofrimento impossível. Existe até uma certa ternura nas consequências de certos testes; quase sinistramente irónico, mas ao observar e depois concluir, apenas consegui saborear no palato o exasperar desiludido de quem falha perante uma solidão que consentiu triunfante, para que o teste fosse mais do que prova de força mental. Que se conseguem viver as horas e os dias absolutamente só.
Acredito na capacidade humana de produção de infernos pessoais. São como correntes que deixamos enroladas. E existe uma forma infernal particularmente monstruosa que abocanha o incauto incapaz de enfrentar o estar completamente só.
Estar encerrado durante dias a fio, entre quatro paredes, um tecto e uma porta fechada. Só. Sem comunicação com o exterior. Com conforto e alimento mas sem redes sociais; sem os ritmos do rádio e as palavras ocas da televisão; longe do pequeno telemóvel. Nada. Apenas consigo próprio e os seus próprios pensamentos. Arquétipos de Jung.
A revelação que destrói a quimera em toda esta incapacidade de solidão ao exteriorizar humano, senta-se cínica e confortável no velho cadeirão dos pensamentos íntimos. Porque se é forçado a pensar, a estar apenas consigo e em si próprio. Jung esfregaria as mãos em delicia. A solidão dos pensamentos revela a criatura humana. Tantas vezes gregária e sorridente apenas revela o terror de, ao ritmo dos dias que avançam e as noites estão já prenhes de escuridão abandonada, deixar fluir a mente livremente e em silêncio.
Revelam-se as criaturas que pensam na sua própria desilusão e solidão. Miseravelmente dependentes e frágeis no arquétipo da sombra e reconhecimento instintivo de fraqueza, repressão e desejos. Negros tão negros desejos!
Não existe pior inferno do que este, onde habitam os pensamentos em solidão absoluta. Sem fuga possível. Onde apenas se escutam palavras pessoais em frente ao próprio espelho. Onde, cristalino e voraz, se revelam os passos elásticos para os monstros de Jung.
E quando a torrente de lágrimas infantis destroça a face adulta - que se abra a porta, por favor! - o inferno é confirmado na visão pessoal, intima e obesa de sombras do monstro oculto. Vivo.
Por isto se reserva o seu vulto ao sonho. E a sua beleza à insanidade do inferno.
Eu...
(999)
Deveria já estar habituado ao panorama humano do sexismo patriarcal, do abcesso que justifica a incapacidade do reconhecimento de quem envelhece e é destronada por sangue mais fresco, bradando injustiça e exigindo pedidos de desculpa - porque afinal é mãe e pretende provar o improvável: que a curva da idade não desce. Que ainda é uma força da natureza de topo.
Não estou.
Justificaria a minha incapacidade de aceitação. De aceitação, mesmo que piedosa, de quem se recusa a aceitar a derrota estampada nas evidências, dedo em riste, reduzindo a cinza o valor da sua oponente; mesmo que no cardápio desse dia se registe a sua humilhante derrota, falta de educação desportiva e a cretinice arrogante de alguém que não aceita inevitabilidades.
Não justifica.
A inconsequência humana é um asilo de velhos e velhas senhoras. Uma merda que sempre se reveste no prejuízo de quem se acha acima das leis da cínica natureza. Gosto dos que tentam iluminar as esquinas mais duvidosas e se apresentam sempre sabujos de ideias premeditadas como os biscoitos de nata da avozinha; a queda dos ídolos é sempre, mas sempre acompanhada por quem gosta de carpir sexismo, roubo injusto e ameaças veladas.
Bocejos.
Do discurso amargo da derrota só não constou a palavra da moda: racismo. Porque afinal, quem levantou o pé e esmagou sem apelo, é também meia negra. Imagino se fosse da minha cor! Voltou-se então a elite bem pensante e culta a transbordar "ai Jesus!" para o humor desenhado. Porque a caricatura nunca foi exagerar traços ao ponto do grotesco e com isso afirmar que nada, nada está acima do humor! Todos somos alvos. Gostemos ou não. Chama-se liberdade de expressão! Mesmo que desagrade ao terrorista e seu profeta, que pede cabeças e massacra editores em pleno local de trabalho. Ainda que muito aparente aborrecer quem determina o que é liberdade para si e pense fazer o mesmo com os outros.
* Suspiro!
Tudo causado pela incapacidade de vislumbrar incompetência pessoal.
Culpe-se o mundo.
Acho-a Luciferina. Passível de todos os meus simbolismos. Capaz de encerrar em si os meus sentimentos mais estranhos e negros.
Anoto.
As descrições nunca são um campo lavrado, seguro. Pelo menos as minhas descrições. Revelam-se rodopios em volta de uma criatura que, pela mera existência, me fascina esfomeado. Não me é possível maior rigor porque se encarrega de sorver qualquer espasmo meu; qualquer chama acessa é instrumento para seu fascínio.
Pressinto.
Apenas os virtuosos parecem conhecer todos os sintomas desta emoção. A mim resvala, cilíndrica. Sinto-me absurdamente perdido. E ainda assim, extasiado nesta opressão. Creio que os de virtude, onde tudo parece assentar em tronos de poemas feitos e mares serenos, nada sabem de fogos primordiais. De como são brasas derretendo a vontade e reclamando almas. Mesmo em pleno breu.
Silenciados...
... os verbos. Permanecem gestos. Vistos por olhos destinados a brilhar naquele fulgor corpóreo, impossível. Silenciado porque apenas no silêncio consigo verdadeiramente encontrar deleite nos braços e palavras que nunca serão minhas.