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" Aos discordantes ..."

 

 

É com revigorado contentamento que renasce em mim a centelha da esperança na raça humana. Essa proverbial casta de valores assentes na razão, que deveria ser imensa, faustosa nos seus predicados de evolução. 

 

Sinto uma necessidade imperiosa, doce vontade de pernoitar no sedoso ventre de alabastro de todos aqueles que desejam o mesmo no final de todos os anos. Creio ser virtuoso até da minha fraca vontade, retirar o meu pobre chapéu da consciência, aos sistemáticos críticos do consumo natalício e que, por obra de uma vontade que os devora, terminam a noite em festa e barrigas plenas de gases. Não é sua culpa, deus que nos livre! Mas é preciso tal esforço - pelas crianças que adoram!

 

Aconchego este corpo pecador bem como este pensamento que teima em olhar grandes grupos como massa do mesmo tacho onde se pensa, deseja e festeja exactamente na mesma prosa e verso. Vacilo até perante o expoente de poder que é o desejar as mesmas coisas de outrora, sempre as mesmas, mastigando passas. Em cima de uma cadeira ...

 

Venerável é a raça de gente que promete e não cumpre. Perder peso. Poupar mais. Estar atenta e deixar que entre o sol no nosso mundo, que de escuridão já basta.

 

Sim.

 

Seria importante para criaturas danadas como eu eliminar o meu descontente pensar, mantendo esta centelha revigorante e selvagem da esperança se por fim conseguisse parar de ler e ouvir tacadas de inconsciente ignorância, que são decalcadas servilmente de um qualquer antro da rede social.

 

Imitar é uma arte antiga, batida e por vezes supera até o mestre. Mas repetir até ao mais pequeno dos batimentos ignorantes a mantra do que se lê em "posts" recheados de rancor e má informação é denegrir em demasia a arte de imitar.

 

Claro que me sinto uma vil criatura neste mar de emoções ignorantes. Como não havia de me sentir? Sou homem. Sou branco. Desde logo privilegiado. Tudo o que consegui foi por exploração. Pisando e gozando. Racista. Desde já. 

 

Deus que me afundo!

 

Esta ignorância caseira, lida sempre nas mesmas fontes e sem esforço para olhar o outro ponto, calcina a minha vontade. Disparam-se grunhidos sem deixar o conforto e bem estar da casa. Proclama-se o direito à denúncia sem aceitar o óbvio; as suas próprias existências são a miséria da dependência visual, da imitação macaca e da memória dos 3 segundos.

 

Repete-se sempre a mesma receita e bálsamo: discurso livre e liberdade de pensamento. Mas não para quem discorde dos seus pontos de vista. Enquanto se vão devorando os doces contrariados mas porque é tradição e desejando boas festas e um ano novo mais próspero e de igualdade, seria de bom tom para almas perdidas como a minha que finalmente se apagasse a utopia de que um dia seremos todos iguais e felizes.

 

Só por esta noção ressaltam as minhas entranhas. Todos iguais.

 

No mês de Dezembro. Nos eternos votos nunca cumpridos.

 

Nas mesmas ideias copiadas. Na assimetria retardada dos críticos que nunca experimentaram realmente nada.

 

 

 

Existem criaturas cuja velhice se enamorou de uma qualquer sólida árvore. Um carvalho, talvez. Duros. De uma persistente capacidade de resistir à monção dos dias. E o orgulho de qualquer sábio carpinteiro, porque tudo o que contam se tornou maleável ao sonho antigo. Ao pontuar de palavras roucas e suspiros cansados.

 

São raros. Mesmo entre velhos muito velhos. Tomos de uma obra que força o silêncio e respeito. E que choram. Lágrimas como outros muito velhos. Ainda assim nunca iguais. Ainda assim únicas.

 

Conheço uma criatura já muito antiga. Enamorado na antiguidade das árvores seculares, por estes dias, neste seu entardecer da idade, sei que chora. Um gemido surdo, coroado por um silvo suave, que parece arrastar-se com a ligeireza daquele vento que dança entre os ciprestes húmidos do seu jardim. Agora aparecem mais vezes os ventos do Outono. E chorar parece ser agasalho e serenidade.

 

Tenta cobrir os olhos húmidos com os óculos de lentes grossas. Com o fumo espesso do cigarro eternamente presente. Mas é doloroso ver chorar a fragilidade épica. Sabendo que anseia o fim enquanto se vai banhando na saudade tão intensamente dolorosa de quem foi antes de si; resistindo na tremida luz de um dia chegar ao céu e voltar a juntar abraços.

 

Esperança.

 

Este viver, este resistir aos anos, dormindo na solidão mais sinuosa onde em cada passo regressam memórias, onde ainda é necessário reter pingos de sanidade para não sentir odores queridos, apodreceu qualquer fruta desta velha árvore. As lágrimas são apenas as últimas notas de um fim que espera há muito. Uma traição aos últimos traços da sua paciência velada.

 

Ainda assim força silêncios e reverências como os velhos carvalhos a rachar entre tempestades e neves. Silêncio e assombro. No meio da tantas outras árvores tão verdes e perfumadas.






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