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É fascinante a palavra "transformação". Mais ainda o conceito de transformar algo. Algo como pessoal, individual, intimo. Aceitar este facto é toda uma longa dissertação que sempre vai gerando mais e mais questões e dúvidas.

 

Lembro-me claramente do efeito corrosivo desta palavra em mim e da extrema necessidade de aceitar a mudança. Passaram anos, mas respiram em mim aqueles primeiros passos dolorosos e a entrada num mundo diferente e tão longe da minha realidade; talvez apressado pela severidade do gelo nórdico, talvez pelo desespero crispado de uma condição física miseravelmente penalizante, talvez por ter decidido escutar uma voz, a passagem por aquelas portas de ferro gravaram em cada recanto da minha mente o portento da transformação.

 

Existem templos em todos os locais e por todas as almas; imaginam-se utopias nos céus e luzes que banham templos e são apenas isso: ilusões. Mas não aquele templo de calor apenas humano; o frio glaciar das terras do Norte é combatido com o suor e o esforço. Ali não reinam deuses mas Homens entre pesos de ferro e estruturas metálicas  transformadas em rotinas de transformação tantas vezes claustrofóbicas. Não existe luz mais intensa do que a descoberta dos limites e a sua superação quando se imagina ser incapaz.

 

Permanecer entre gigantes envelhecidos pela experiência é um absoluto de modéstia. Sentir como falham os tendões ao mais pequeno esforço, onde cada passo multiplica a confirmação da fragilidade e o aproximar de um fim antecipado por uma medicina descrente, muitas vezes implica medidas desesperadas; antes de decidir terminar com tudo.

 

Os gigantes existem. 

 

Acolheram um destroço físico e mental nos seus braços enormes, como uma cria igual a todos os outros. Sentiram o meu respirar e onde, principalmente onde estava a minha força. Por onde andava o que restava da coragem. Sabiam da química e elixir para tratar tendões fracos e pensamentos sombrios. Que o mundo exterior não importava.

 

A potência sentida no primeiro instante em que consegui erguer uma barra de ferro aos ombros nunca mais será ultrapassada. Porque me revelou que seria capaz de muito mais. Anos em esforço, quilo a quilo. Comer contra a vontade para desesperadamente ganhar peso, sempre a persistir, transformam a mente numa fortaleza. Sentir os tendões imensamente fortes e a estrutura a alargar teve o efeito arrasador de tudo demolir.

 

Talvez fosse essa a ideia dos Gigantes: que também eu quisesse ser gigante de ombros, braços e mãos grandes. De um peito feito armadura e de umas pernas capazes de me transportar para longe do que fora um prognóstico certo.

 

Talvez.

 

A transformação física alterou também o meu acreditar político do mundo. Nas minhas muitas viagens por este mundo eu tenho visto com os meus olhos o que a maioria apenas vislumbra pela opacidade televisiva; deixei de acreditar no que se diz ser correcto e justo. Decidir ler nas letras mais pequenas o que está certo. Não o que querem que esteja certo. E não deixa de ser um pouco irónico e até divertido, a maior parte das pessoas estão cegas e estranhamente confortáveis com isso. Bizarro mas real.

 

Permaneço fascinado pela transformação mesmo que vá contra o que se acha racional ou politicamente correcto. Aliás, politicamente correcto é conceito que odeio ardentemente. 

 

Há muito confirmei isso.

Preludio a la siembra

...

 

Nunca a luz do sol me fascinou particularmente. Nunca aceitei o calor dos dias de sol intenso como bálsamo para os ossos e necessário para que sinta qualquer memória de renascimento. E são demasiadas as vezes em que são as memórias a causar o florescer das cores do Outono e o carinho do Inverno. Demasiadas.

 

A mente humana subsiste na associação de odores e sons. Os olhos e os ouvidos são o registo mais sombrio por onde passo e quando os meus dedos se fecham no corrimão das escadas as impossibilidades tornam-se possibilidades. A torrente de recordações retida a custo jorra.

 

" tenho um ódio de estimação a portas de vidro que se abrem para gente doente; ao barulho das rodas de borracha a chiar pelos corredores de pedra; a senhas de cores diversas e ao olhar indiferente de quem chama do outro lado do balcão, sempre com as mesmas perguntas. sinto-me perfeitamente capaz de amaldiçoar a luz do sol todos os dias da minha existência se assim conseguir sossegar a memória da nossa passagem pelas portas de vidro de gente doente. se assim aceitar a cobardia e não pensar no corrimão plantado no meio da escadaria, enquanto não consigo votar ao esquecimento a mão pequena e húmida apertando a minha.

 

é quase grotesco aquele dia de sol intenso e cego; aquele calor nas costas e o suor a escorrer pelas costas. a memória não atraiçoa quem se ajoelhou diante de ti no corredor de pedra; e se despediu perguntando ( estupidamente questionando...) se estava tudo bem; e creio bem que o acenar da cabeça, ainda coberta de longos cabelos de cor quase ruiva, como vinho tinto, nada mais causou do que o estropiar da pouca dúvida  entre o nada e Deus. os olhos disseram não, mesmo não chorando; os lábios foram trincados travando a angústia e incertezas. e quando desapareceu no quarto pensei em monstros que abrem a boca e engolem crianças; nunca mais deixei de ter esta emoção quando entro em quartos.

 

e durante horas, dias transformados em semanas a fio esteve deitada e poucas vezes de pé; consegui pressentir a morte sentada naquela face; troçando nos olhos vermelhos ladeados por negro, na pele outrora branca e lisa e agora soltando pequenos flocos e nos lábios escurecidos pela radiação. ali e em espera atenta para ceifar. 

 

todos os dias eu morria um pouco com a criança. imbecilmente desistia de esperar, mesmo observando como se debatia e lutava; não vertendo uma lágrima pelo crânio  rapado mas irritando-se quando eu rapei o meu com demasiado e longo cabelo; mesmo quando se forçava a comer para depois vomitar querendo engordar um pouco!

 

imbecil! nunca se pensa em desistir  perante quem quer passear pelo jardim nem que seja às nossas costas! caminhar vinte escassos metros e regressar ao colo. nunca!

 

só um estúpido não concebe resistência quase mística na fragilidade que batalha para viver, ficar acordada e escutar a minha voz lendo passagens de Hans Christian Andersen como esquecimento.

 

será necessário que cale estas memórias principalmente nos dias de sol. que espante demónios paulatinamente colocando-os debaixo de toneladas de rocha. encontro demasiadas justificações para ódios, frustrações e maus instintos diante demasiadas coisas e pessoas, que nem sequer são culpadas. sinto demasiado cinismo perante as tragédias dos outros. 

 

egoísmo? sim. dane-se!

 

retenho ainda esta centelha de alimento que me serve para consumo esfomeado.

 

saindo pelas portas de vidro onde entram os doentes do mundo. eu num tremor de triunfo e agarrando a mão de novo suave e apertado-a para que não me fugisse; ela, mais envelhecida porque afinal os verdadeiros combatentes são uma casta que envelhece mais depressa e por isso de veneração obrigatória! retirando o gorro azul de pontas longas e olhando para o céu sinistramente cor de chumbo e o pequeno nariz avermelhado cheirando a humidade extrema da manhãzinha cedo; a cabeça agora e de novo com cabelo raso e vermelho cor de vinho naquela beleza rara e perfeitamente triunfante sobre o efeito que irá provocar nos corações dos incautos que se encantem por ela; no passo apressado sem necessidade de colo; precocemente adulta e de olhos astutamente preparados para as desgraças de uma vida que por vezes é apenas merda explicita!

 

naqueles minutos sofri o punir exemplar pelos dias de dúvida mesmo sem desistir. e não é de todo agradável, é  doloroso. muito. mas é o que o penitente merece.

 

quando lhe perguntei o que iríamos fazer pediu que fossemos a uma casa de gelados; simplesmente pediu duas imensas bolas de gelado de chocolate negro e bolacha; o Universo não respirou nesses minutos, aquietou-se para observar e aprender com uma criatura quase mística em liberdade plena e sem a sua armadura de guerreira absoluta.

 

enquanto eu ia absorvendo o mutilar  e  a humilhação de quem aprendeu algo que sempre julgou saber"

 

 

 

 

 

 

 

"Don´t wake up
We are dreaming again
Of a world of fire

Open your eyes
And your world will become
Void like mine

You can never take me under
This fading bridge of wonder"

 

 

Gostaria de poder ficar calado. Sinceramente. Até porque já antes escrevinhei algo sobre esta criatura que respira. Não escrever ou acrescentar o que fosse ao muito que já foi dito e escrito.

 

Gostaria.

 

Entre a necessidade de ignorar o meu desdém por certos erros existenciais como justificação para a teoria evolutiva de Darwin ou proporcionar algum descanso da minha consciência escrevendo, o solavanco atirou-me para esta última.

 

E creio que se torna essencial que assuma o meu autocontrole de maneira férrea tentando observar decisões deste calibre com a frieza e parcimónia da navalha de Occam. Coisa que nunca será fácil uma vez que sou dado impulsos e ódios quando testemunho certas incongruências.

 

Talvez fosse apropriado considerar a validade cientifica e fruto para futuros estudos de comportamento este pensar e decidir. Porque, sem dúvida, estou perante um megálito; uma criação passada e tão antiga que espanta pelo seu resistir. E que é ainda fruto de culto aturado por alguns iníquos demasiado iludidos com falsas noções de poder. Será perfeitamente válida a ideia de resguardar decisões como esta fechadas com cadeados para que constem em todo o seu esplendor sectário, regressivo e retardado nos manuais escolares; para que sejam exemplos do que não é! Já foi!

 

É impossível permanecer silenciado diante de palavras como estas. Assumo. É necessário que se retirem palavras como probidade moral da boca e escrita do poder de uma criatura que me ofende e força a um estado de odiosa inexplicabilidade de argumentos. Nada me agoniza mais do que esta sensação de embaraço ao constatar que realmente apenas poucos, tão poucos!, merecem sobreviver. 

 

Qual será a necessidade de outros argumentos que não este? Onde será mais sólida a noção de que evoluir não é apenas um apontar genético? Principalmente, onde restam as dúvidas que se torna necessário evoluir no pensamento e filosofia racional? Como se torna humilhante existir com uma distorção imbecil no mesmo universo.

 

Será importante estabelecer a necessidade de igualdade entre Homem e Mulher. Do assomo da mais absoluta e divagante estupidez que existe em ambos. Mas nada se revela mais intrinsecamente obsceno e passível de flagelo público do que o pensamento insalubre de quem se acha ocupante de posição superior, que ousa imaginar existirem virtudes no retrocesso e nos brinda ainda, compactas comparações religiosas em saudosa cavaqueira de padreco.

 

 




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