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“Uma pessoa não é iluminada por imaginar figuras de luz, mas por estar ciente da escuridão.” Carl Jung, arquétipo da sombra.

 

 

.......

 

 

Talvez se trate de redenção. Da nossa própria salvação quando sabemos perfeitamente que somos nós próprios a cavar a estrada do nosso inferno; só existe inferno porque assim queremos e sentimos essa necessidade. É pessoal. Único. Nosso.

 

E não depende da salvação de um profeta redentor. Nem da inexplicabilidade do seu nascimento ou das suas promessas perdidas. Não.

 

Está bem longe disso.

 

Johansen reside no patamar de todos os purgatórios mentais. Artesão do seu próprio inferno. Desesperado na tentativa de se redimir de uma escuridão temperada com o sal de quem parece não conseguir viver num pequeno nicho deste mundo. É muito maior o tamanho da sua consciência e necessidade de espaço.

 

Quando nos conhecemos a sua primeira pergunta foi sobre a veracidade da minha cor de olhos. Ficou satisfeito com a minha resposta e puxou os cabelos longos para trás da cabeça, num gesto que hoje creio ter sido de pacificação, mostrando o buraco no seu maxilar esquerdo do tamanho de uma moeda. Uma extensa área da sua face esquerda apresentava também uma coloração escura que contrastava com a sua pele branca como neve.

 

Johansen conhece os atalhos de uma escuridão imensa e sem retorno. Da luz a desaparecer. Reconhece o seu falhanço naquela manhã quando o seu pensamento decretou a fim deste inferno. A frieza do acto subitamente traída, a mão tremeu e o dedo indicador direito perdeu a força. A hesitação desviou a bala do seu destino certo junto à carótida; mas a vingança foi consumada e a viagem levou um pedaço do seu osso do maxilar, queimou a face e arrancou um pedaço da sua orelha.

 

E tudo parece tornar-se vivo nas sombras de Johansen quando se senta e apoia o seu pé esquerdo no pequeno banco junto ao sofá. Quando faz soar as cordas da viola molda o seu próprio universo. Os cabelos escorrem pelo rosto crispado e as suas notas transfiguram a alma. Uma tristeza quase desumana invade o ar e liberta as correntes. Toca e faz vibrar as cordas enquanto se agita suavemente. Murmura muito baixinho uma melodia que apenas ele conhece mas que tem a particularidade de apertar o coração encharcando-o numa melancolia que nos deixa exaustos.

 

Talvez seja esta a sua redenção quando o Cristo lhe faltou. Este portento de expressão instrumental onde vive o  desespero de braço dado com as marcas do inferno. São sons e vibrações que nos sussurram desejos e emoções escuras.

 

E sei que são momentos destes que fazem soar as lágrimas de Johansen. Apesar do cabelo que lhe tapa o rosto como um Cristo proscrito.

 

Marcelo irrita-me!

 

Desde sempre me irritou mas porque a sua presença não era tão urgente, eu conseguia esbater esta minha irritação. E agora é difícil; agora é impossível. Não consigo evitar.

 

Marcelo é a antítese de Cavaco e mesmo assim consegue irritar-me muito mais. É um feito extraordinário! Eu que julgava não ser possível depois do professor!

 

Marcelo irrita-me!

 

Sempre imaginei o professor Cavaco como uma versão mais primitiva da personagem Lurch da família Adams. Mas mais austero e sinistro. Economista económico em gestos e afagos, de palavras parcas e sempre azedas como as que saem da boca das criaturas deprimidas com algo. Nunca consegui encontrar nele uma linha de condução: eu que de humores sou estranho.

 

Marcelo irrita-me por alternâncias e graus. Começou devagarinho como naquelas primeiras saídas nocturnas e regressos em ponta de pés para não acordar o alheio. Mas de uma pequena luz de circo de aldeia transformou-se num jorro de displicente intromissão e capacidade de multiplicação.

 

Irrita-me!

 

Irrita-me o seu sorriso sacramental e aperto de mão com o beijo a acompanhar. Torna-se intolerável pressentir-lhe a gula por lentes fotográficas e devoção aos telemóveis do povo que parece ser o seu; a vileza reside em estar presente em todos os lados a qualquer hora. Até o funeral de quem se finou e possivelmente nada teria a ver com Marcelo, serviu para a sua engenhosa arte de vampiro incapaz de resistir aos encantos de mais uma selfie !

 

Marcelo maça-me!

 

Devoto submisso. Maniqueísta quando assim entende, raramente consigo observar outra realidade que não a do rastejar calculista diante de outros presidentes visivelmente ignorantes mas muito mais ricos. O batimento sistemático de quem permanece em campanha para o próximo mandato, deixa-me sempre o travo amargo dos que  aceitam o anular pessoal do seu orgulho, enquanto vão pontuando esse embaraçar moral com a mentira da tolerância e mito do presidente do povo.

 

Se Cavaco era o que mais orgulha a austeridade visual e temperamental, insondável e voltado para si próprio, Marcelo expele a jorrar uma patologia que toca com todos os dedos uma outra forma de populismo mais agudo que se esconde muito mais profundamente do que outras formas mais comuns. Creio que é mais nociva e dissimulada. Não me agradam os presidentes do povo.

 

Em comum Cavaco e Marcelo transportam consigo o pensamento de um povo cego e ignorante. O distanciamento de um e a intromissão sistemática do outro levam ao mesmo sentimento. E sentido.

 

 

Dizem que sorrimos mais, que temos sempre um sorriso a iluminar o nosso rosto. Dizem que o brilho nos olhos não deixa qualquer dúvida. Paixão e amor.

 

Eu não vejo nada disso. Nem sequer creio conseguir definir o que sinto sem cair no universo absurdo de um lírico romântico ... que não sou. Mas se por fora nada parece alterar-se, por dentro tudo parece ter sido devastado. Não consigo, se calhar evito, encontrar outra palavra que não o estado devastado.

 

Correram muitos meses e mesmo assim não consigo dominar a ansiedade. Não conseguir entender os sinais de quem entrou de repente e sem pedir permissão, revela-se penoso. E eu sempre pensando que já sabia, já havia lido e nada restava para ser ensinado. Tudo estava garantido e reparado na separação. Sozinho podia recomeçar a viagem.

 

Existem criaturas e criaturas. Somos muitos mas apenas uma pequena margem desta merda de existência é habitada por uma minúscula elite, capaz de aparecer diante dos nossos olhos e abrir uma outra página. Contra qualquer acto de defesa, rasgam o que carinhosamente foi urdido como fortaleza de protecção. Nunca mais se torna possível encolher os ombros e enfiar as mãos nos bolsos em desapego egoísta.

 

Existe uma nostalgia dos dias em que o pensamento era único e apenas para um. Há um fascínio intenso no minimalismo emocional de quem se sente só e tem prazer nisso. Mas esse minimalismo é fortuito como os olhos de um gato, porque alguém se encarrega de nos preencher cantos escuros e dormir com os nossos pensamentos. Uma criatura que parece conhecer-nos em cada fibra, vai caminhando cada passo ao nosso lado sem necessidade de esforço.

 

Sinto saudades quando não está presente. Pensei que isto se desvaneceria com os dias. Não. 

 

Novo para mim é o sentimento inexplicável que aquela criatura em toda a sua beleza quase humilhante é preciosa e que deve ser protegida. Não consigo racionalizar a sensação de protecção enquanto deixo que adormeça contra o meu corpo; que o calor que viaja para mim exponha necessidades que tento controlar a custo; as horas que permaneço acordado e vigilante suscitam emoções intensas quando afasto o seu farto cabelo para trás.

 

Gentilmente. Trémulo.

 

Tudo estranho. Tudo.

 

E vou vampirizando cada um dos seus traços. Permanecendo pasmado com os seus movimentos felinos e rapidez de acção. Deixo que se sente em cima do meu corpo, para sentir o perfume da sua pele, e antecipo a sofreguidão quase demente quando se formam curvas no canto dos seus lábios e uma risada de dentes brancos e lábios grossos reduz a pó qualquer necessidade de palavras para tentar explicar o que não tem explicação.

 

Que também não consiga explicar o quanto engenhoso se torna o seu pensar quando assim o decide, apenas contribui para esta minha estranheza radioactiva. Creio ser  a racionalidade pincelada de astuta sabedoria.

 

Calo-me.

 

Não tenho esse sorriso permanentemente colado a mim. O brilho dos meus olhos, disse-me,  fala de outras coisas, mas palavras e sentimentos são segredados por uma voz que os transforma em emoções sinceras. Força-me a acreditar que é possível.

 

Pequenas notas para mentalização ...

 

... um cego e o seu cão adoram-na.

 

 ... uma criança  tornar-se vibrante, sentindo-se em casa quando está com ela, merece uma séria referência  mental neste meu pequeno catecismo de incertezas.

 

Eu vejo as suas sombras e desisto de resistir. 

 

Tudo parece estar contra mim.

 

Eu ...

 

 

Não existe maior erro do que aceitar a ilusão de uma vontade livre. Não existem vontades livres de influência premeditada. Mesmo na solidão pessoal, ainda que se imagine decidir livremente, é apenas uma ilusão passageira; todos os dias se testemunha isso.

 

Mas mesmo assim ainda se persiste nesta ideia. Teimosamente. Decidir por iniciativa própria. Como se não fossem estados e governos a comandar. Como se fosse possível manter uma vontade contra a maioria.

 

Só esta ilusão justifica  tolerar religiões cegas e primitivas. Só mantendo teimosamente a mentira da tolerância se justificam as manobras de governos caducos e cobardes, que vão pintando a realidade com a tinta do civismo perante a nossa pacatez. Porque não me iludo: somos pacatos.

 

Irrita-me copiosamente testemunhar noticias de uma criatura com uma resma de crianças num campo de refugiados manter a arrogância  de afirmar ser Portuguesa, e ser obrigação do estado Português providenciar o seu regresso; isto após ter, por sua livre e espontânea vontade , decidido abandonar o seu país e juntar-se a uma organização terrorista. Nada se revela mais odioso do que ver a criatura sobranceira clamando não ter em si sintomas de terrorista, porque é disso mesmo que esta e todas as outras que decidiram de igual forma padecem, terrorismo extremista.

 

Se a vontade fosse livre, realmente livre, as religiões não existiam. Não seria necessário apedrejar ou precipitar homossexuais dos prédios em ruínas; seria instituído o ódio mais puro ao totalitarismo de quem se acha perto de deus e qualquer criatura, fosse quem fosse, com quantas crias tivesse, seria julgada pelos seus actos. 

 

Manter a fogueira ilusória de religiões de paz é um absurdo perfeitamente notável que a maioria aceita, mesmo  sabendo errado. Porque se é cobarde temendo uma bomba no bairro. Torna-se um embaraço ter um presidente que se arrasta em submissão; um parlamento sempre na ladainha da tolerância mas sempre criticando a monstruosidade do massacre em Christchurch ( quanta ironia, meu deus!), enquanto se  delicia no politicamente correto e vai esquecendo-se dos sucessivos massacres de cristãos na Nigéria, Sudão e outros cantos. Porque o cristianismo está morto, não degola prisioneiros ou os rega com gasolina e ateia o fogo; enquanto estes se debatem dentro de uma jaula  de ferro. Tudo transmitido com pompa na televisão.

 

E não interessa nada. Porque virão fêmeas e machos de livre vontade para se juntar. Até porque esta é a era da política de género; a senhora vai para um campo de refugiados arrogantemente esperando ser recambiada e de maneira quase secreta, porque o estado sabe ser errado e ainda não decidiu se vai julgar como terrorista a criatura; o senhor capturado pela mesma ideia vai para um campo de prisioneiros onde irá ser julgado como terrorista. Porque a livre vontade sabe  de si e um Homem é mais terrorista do que uma Mulher. 

 

Ponto assente! 

 

Testemunho com agrado como uma certa classe política está calada.

 

Afinal tratam-se de vitimas desta sociedade patriarcal.






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