Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



 

“Uma pessoa não é iluminada por imaginar figuras de luz, mas por estar ciente da escuridão.” Carl Jung, arquétipo da sombra.

 

 

.......

 

 

Talvez se trate de redenção. Da nossa própria salvação quando sabemos perfeitamente que somos nós próprios a cavar a estrada do nosso inferno; só existe inferno porque assim queremos e sentimos essa necessidade. É pessoal. Único. Nosso.

 

E não depende da salvação de um profeta redentor. Nem da inexplicabilidade do seu nascimento ou das suas promessas perdidas. Não.

 

Está bem longe disso.

 

Johansen reside no patamar de todos os purgatórios mentais. Artesão do seu próprio inferno. Desesperado na tentativa de se redimir de uma escuridão temperada com o sal de quem parece não conseguir viver num pequeno nicho deste mundo. É muito maior o tamanho da sua consciência e necessidade de espaço.

 

Quando nos conhecemos a sua primeira pergunta foi sobre a veracidade da minha cor de olhos. Ficou satisfeito com a minha resposta e puxou os cabelos longos para trás da cabeça, num gesto que hoje creio ter sido de pacificação, mostrando o buraco no seu maxilar esquerdo do tamanho de uma moeda. Uma extensa área da sua face esquerda apresentava também uma coloração escura que contrastava com a sua pele branca como neve.

 

Johansen conhece os atalhos de uma escuridão imensa e sem retorno. Da luz a desaparecer. Reconhece o seu falhanço naquela manhã quando o seu pensamento decretou a fim deste inferno. A frieza do acto subitamente traída, a mão tremeu e o dedo indicador direito perdeu a força. A hesitação desviou a bala do seu destino certo junto à carótida; mas a vingança foi consumada e a viagem levou um pedaço do seu osso do maxilar, queimou a face e arrancou um pedaço da sua orelha.

 

E tudo parece tornar-se vivo nas sombras de Johansen quando se senta e apoia o seu pé esquerdo no pequeno banco junto ao sofá. Quando faz soar as cordas da viola molda o seu próprio universo. Os cabelos escorrem pelo rosto crispado e as suas notas transfiguram a alma. Uma tristeza quase desumana invade o ar e liberta as correntes. Toca e faz vibrar as cordas enquanto se agita suavemente. Murmura muito baixinho uma melodia que apenas ele conhece mas que tem a particularidade de apertar o coração encharcando-o numa melancolia que nos deixa exaustos.

 

Talvez seja esta a sua redenção quando o Cristo lhe faltou. Este portento de expressão instrumental onde vive o  desespero de braço dado com as marcas do inferno. São sons e vibrações que nos sussurram desejos e emoções escuras.

 

E sei que são momentos destes que fazem soar as lágrimas de Johansen. Apesar do cabelo que lhe tapa o rosto como um Cristo proscrito.

 

Marcelo irrita-me!

 

Desde sempre me irritou mas porque a sua presença não era tão urgente, eu conseguia esbater esta minha irritação. E agora é difícil; agora é impossível. Não consigo evitar.

 

Marcelo é a antítese de Cavaco e mesmo assim consegue irritar-me muito mais. É um feito extraordinário! Eu que julgava não ser possível depois do professor!

 

Marcelo irrita-me!

 

Sempre imaginei o professor Cavaco como uma versão mais primitiva da personagem Lurch da família Adams. Mas mais austero e sinistro. Economista económico em gestos e afagos, de palavras parcas e sempre azedas como as que saem da boca das criaturas deprimidas com algo. Nunca consegui encontrar nele uma linha de condução: eu que de humores sou estranho.

 

Marcelo irrita-me por alternâncias e graus. Começou devagarinho como naquelas primeiras saídas nocturnas e regressos em ponta de pés para não acordar o alheio. Mas de uma pequena luz de circo de aldeia transformou-se num jorro de displicente intromissão e capacidade de multiplicação.

 

Irrita-me!

 

Irrita-me o seu sorriso sacramental e aperto de mão com o beijo a acompanhar. Torna-se intolerável pressentir-lhe a gula por lentes fotográficas e devoção aos telemóveis do povo que parece ser o seu; a vileza reside em estar presente em todos os lados a qualquer hora. Até o funeral de quem se finou e possivelmente nada teria a ver com Marcelo, serviu para a sua engenhosa arte de vampiro incapaz de resistir aos encantos de mais uma selfie !

 

Marcelo maça-me!

 

Devoto submisso. Maniqueísta quando assim entende, raramente consigo observar outra realidade que não a do rastejar calculista diante de outros presidentes visivelmente ignorantes mas muito mais ricos. O batimento sistemático de quem permanece em campanha para o próximo mandato, deixa-me sempre o travo amargo dos que  aceitam o anular pessoal do seu orgulho, enquanto vão pontuando esse embaraçar moral com a mentira da tolerância e mito do presidente do povo.

 

Se Cavaco era o que mais orgulha a austeridade visual e temperamental, insondável e voltado para si próprio, Marcelo expele a jorrar uma patologia que toca com todos os dedos uma outra forma de populismo mais agudo que se esconde muito mais profundamente do que outras formas mais comuns. Creio que é mais nociva e dissimulada. Não me agradam os presidentes do povo.

 

Em comum Cavaco e Marcelo transportam consigo o pensamento de um povo cego e ignorante. O distanciamento de um e a intromissão sistemática do outro levam ao mesmo sentimento. E sentido.

 

 

Dizem que sorrimos mais, que temos sempre um sorriso a iluminar o nosso rosto. Dizem que o brilho nos olhos não deixa qualquer dúvida. Paixão e amor.

 

Eu não vejo nada disso. Nem sequer creio conseguir definir o que sinto sem cair no universo absurdo de um lírico romântico ... que não sou. Mas se por fora nada parece alterar-se, por dentro tudo parece ter sido devastado. Não consigo, se calhar evito, encontrar outra palavra que não o estado devastado.

 

Correram muitos meses e mesmo assim não consigo dominar a ansiedade. Não conseguir entender os sinais de quem entrou de repente e sem pedir permissão, revela-se penoso. E eu sempre pensando que já sabia, já havia lido e nada restava para ser ensinado. Tudo estava garantido e reparado na separação. Sozinho podia recomeçar a viagem.

 

Existem criaturas e criaturas. Somos muitos mas apenas uma pequena margem desta merda de existência é habitada por uma minúscula elite, capaz de aparecer diante dos nossos olhos e abrir uma outra página. Contra qualquer acto de defesa, rasgam o que carinhosamente foi urdido como fortaleza de protecção. Nunca mais se torna possível encolher os ombros e enfiar as mãos nos bolsos em desapego egoísta.

 

Existe uma nostalgia dos dias em que o pensamento era único e apenas para um. Há um fascínio intenso no minimalismo emocional de quem se sente só e tem prazer nisso. Mas esse minimalismo é fortuito como os olhos de um gato, porque alguém se encarrega de nos preencher cantos escuros e dormir com os nossos pensamentos. Uma criatura que parece conhecer-nos em cada fibra, vai caminhando cada passo ao nosso lado sem necessidade de esforço.

 

Sinto saudades quando não está presente. Pensei que isto se desvaneceria com os dias. Não. 

 

Novo para mim é o sentimento inexplicável que aquela criatura em toda a sua beleza quase humilhante é preciosa e que deve ser protegida. Não consigo racionalizar a sensação de protecção enquanto deixo que adormeça contra o meu corpo; que o calor que viaja para mim exponha necessidades que tento controlar a custo; as horas que permaneço acordado e vigilante suscitam emoções intensas quando afasto o seu farto cabelo para trás.

 

Gentilmente. Trémulo.

 

Tudo estranho. Tudo.

 

E vou vampirizando cada um dos seus traços. Permanecendo pasmado com os seus movimentos felinos e rapidez de acção. Deixo que se sente em cima do meu corpo, para sentir o perfume da sua pele, e antecipo a sofreguidão quase demente quando se formam curvas no canto dos seus lábios e uma risada de dentes brancos e lábios grossos reduz a pó qualquer necessidade de palavras para tentar explicar o que não tem explicação.

 

Que também não consiga explicar o quanto engenhoso se torna o seu pensar quando assim o decide, apenas contribui para esta minha estranheza radioactiva. Creio ser  a racionalidade pincelada de astuta sabedoria.

 

Calo-me.

 

Não tenho esse sorriso permanentemente colado a mim. O brilho dos meus olhos, disse-me,  fala de outras coisas, mas palavras e sentimentos são segredados por uma voz que os transforma em emoções sinceras. Força-me a acreditar que é possível.

 

Pequenas notas para mentalização ...

 

... um cego e o seu cão adoram-na.

 

 ... uma criança  tornar-se vibrante, sentindo-se em casa quando está com ela, merece uma séria referência  mental neste meu pequeno catecismo de incertezas.

 

Eu vejo as suas sombras e desisto de resistir. 

 

Tudo parece estar contra mim.

 

Eu ...

 

 

Não existe maior erro do que aceitar a ilusão de uma vontade livre. Não existem vontades livres de influência premeditada. Mesmo na solidão pessoal, ainda que se imagine decidir livremente, é apenas uma ilusão passageira; todos os dias se testemunha isso.

 

Mas mesmo assim ainda se persiste nesta ideia. Teimosamente. Decidir por iniciativa própria. Como se não fossem estados e governos a comandar. Como se fosse possível manter uma vontade contra a maioria.

 

Só esta ilusão justifica  tolerar religiões cegas e primitivas. Só mantendo teimosamente a mentira da tolerância se justificam as manobras de governos caducos e cobardes, que vão pintando a realidade com a tinta do civismo perante a nossa pacatez. Porque não me iludo: somos pacatos.

 

Irrita-me copiosamente testemunhar noticias de uma criatura com uma resma de crianças num campo de refugiados manter a arrogância  de afirmar ser Portuguesa, e ser obrigação do estado Português providenciar o seu regresso; isto após ter, por sua livre e espontânea vontade , decidido abandonar o seu país e juntar-se a uma organização terrorista. Nada se revela mais odioso do que ver a criatura sobranceira clamando não ter em si sintomas de terrorista, porque é disso mesmo que esta e todas as outras que decidiram de igual forma padecem, terrorismo extremista.

 

Se a vontade fosse livre, realmente livre, as religiões não existiam. Não seria necessário apedrejar ou precipitar homossexuais dos prédios em ruínas; seria instituído o ódio mais puro ao totalitarismo de quem se acha perto de deus e qualquer criatura, fosse quem fosse, com quantas crias tivesse, seria julgada pelos seus actos. 

 

Manter a fogueira ilusória de religiões de paz é um absurdo perfeitamente notável que a maioria aceita, mesmo  sabendo errado. Porque se é cobarde temendo uma bomba no bairro. Torna-se um embaraço ter um presidente que se arrasta em submissão; um parlamento sempre na ladainha da tolerância mas sempre criticando a monstruosidade do massacre em Christchurch ( quanta ironia, meu deus!), enquanto se  delicia no politicamente correto e vai esquecendo-se dos sucessivos massacres de cristãos na Nigéria, Sudão e outros cantos. Porque o cristianismo está morto, não degola prisioneiros ou os rega com gasolina e ateia o fogo; enquanto estes se debatem dentro de uma jaula  de ferro. Tudo transmitido com pompa na televisão.

 

E não interessa nada. Porque virão fêmeas e machos de livre vontade para se juntar. Até porque esta é a era da política de género; a senhora vai para um campo de refugiados arrogantemente esperando ser recambiada e de maneira quase secreta, porque o estado sabe ser errado e ainda não decidiu se vai julgar como terrorista a criatura; o senhor capturado pela mesma ideia vai para um campo de prisioneiros onde irá ser julgado como terrorista. Porque a livre vontade sabe  de si e um Homem é mais terrorista do que uma Mulher. 

 

Ponto assente! 

 

Testemunho com agrado como uma certa classe política está calada.

 

Afinal tratam-se de vitimas desta sociedade patriarcal.




Arquivo

  1. 2024
  2. JAN
  3. FEV
  4. MAR
  5. ABR
  6. MAI
  7. JUN
  8. JUL
  9. AGO
  10. SET
  11. OUT
  12. NOV
  13. DEZ
  14. 2023
  15. JAN
  16. FEV
  17. MAR
  18. ABR
  19. MAI
  20. JUN
  21. JUL
  22. AGO
  23. SET
  24. OUT
  25. NOV
  26. DEZ
  27. 2022
  28. JAN
  29. FEV
  30. MAR
  31. ABR
  32. MAI
  33. JUN
  34. JUL
  35. AGO
  36. SET
  37. OUT
  38. NOV
  39. DEZ
  40. 2021
  41. JAN
  42. FEV
  43. MAR
  44. ABR
  45. MAI
  46. JUN
  47. JUL
  48. AGO
  49. SET
  50. OUT
  51. NOV
  52. DEZ
  53. 2020
  54. JAN
  55. FEV
  56. MAR
  57. ABR
  58. MAI
  59. JUN
  60. JUL
  61. AGO
  62. SET
  63. OUT
  64. NOV
  65. DEZ
  66. 2019
  67. JAN
  68. FEV
  69. MAR
  70. ABR
  71. MAI
  72. JUN
  73. JUL
  74. AGO
  75. SET
  76. OUT
  77. NOV
  78. DEZ
  79. 2018
  80. JAN
  81. FEV
  82. MAR
  83. ABR
  84. MAI
  85. JUN
  86. JUL
  87. AGO
  88. SET
  89. OUT
  90. NOV
  91. DEZ
  92. 2017
  93. JAN
  94. FEV
  95. MAR
  96. ABR
  97. MAI
  98. JUN
  99. JUL
  100. AGO
  101. SET
  102. OUT
  103. NOV
  104. DEZ
  105. 2016
  106. JAN
  107. FEV
  108. MAR
  109. ABR
  110. MAI
  111. JUN
  112. JUL
  113. AGO
  114. SET
  115. OUT
  116. NOV
  117. DEZ
  118. 2015
  119. JAN
  120. FEV
  121. MAR
  122. ABR
  123. MAI
  124. JUN
  125. JUL
  126. AGO
  127. SET
  128. OUT
  129. NOV
  130. DEZ
  131. 2014
  132. JAN
  133. FEV
  134. MAR
  135. ABR
  136. MAI
  137. JUN
  138. JUL
  139. AGO
  140. SET
  141. OUT
  142. NOV
  143. DEZ
  144. 2013
  145. JAN
  146. FEV
  147. MAR
  148. ABR
  149. MAI
  150. JUN
  151. JUL
  152. AGO
  153. SET
  154. OUT
  155. NOV
  156. DEZ
  157. 2012
  158. JAN
  159. FEV
  160. MAR
  161. ABR
  162. MAI
  163. JUN
  164. JUL
  165. AGO
  166. SET
  167. OUT
  168. NOV
  169. DEZ
  170. 2011
  171. JAN
  172. FEV
  173. MAR
  174. ABR
  175. MAI
  176. JUN
  177. JUL
  178. AGO
  179. SET
  180. OUT
  181. NOV
  182. DEZ


topo | Blogs

Layout - Gaffe