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Deixa que te mostre a matéria da minha saudade. A necessidade de escorrer esta nostalgia sobre os ombros da tua tranquilidade serena e assim roubar  o teu caminhar de passo certo.

Deixa que seja, por estas breves palavras, nos teus preciosos segundos, antes do desvio dos sentidos, o teu olhar em expansão. Quero que aceites a minha mão e não temas o seu tamanho ou a sua força. Por agora não existem rumores de tempestade, nem sequer pingas de apreensão. Apenas saudade.

Deixa que sejam os meus olhos a ver as montanhas brancas de neve e gelo, onde os picos terminam nos céus da gloriosa Asgard, até onde se sentam os Deuses que sei serem desconhecidos para ti. Cerro o meu brilho juntamente com o teu, perante o  branco cristalino destes gigantes.

E respiramos espanto!

Deixa que sejam os meus ouvidos o teu escutar. Porque sei como o Lobo uiva nestas noites frias e escuras, enquanto vagueia pela floresta do Norte. Porque quero que saibas como pode ser serena a voz do Corvo negro no seu esvoaçar entre montanhas e névoa matinal.

Quero ser a tua pele enquanto sentes o vento frio como lâminas a rasgar-te o rosto gelado; o êxtase do teu primeiro banho no lago gelado, quando chegar a hora do primeiro baixar de semblante diante do regresso do todo - poderoso Inverno. Preciso que sintas o clamor silencioso da geada e os teus passos lentos enterrando-se na neve.

Quero falar-te sobre solstício; sobre as minhas guerras e as minhas derrotas na companhia de outros guerreiros, fieis ferreiros da minha armadura. Quero, nestes palavras, ser a tua voz enquanto vamos, a sábios tragos, saboreando as revelações que despontam do calor à nossa volta.

Se caminhares ao meu lado, serei eu quem te segura pela mão e enfeitiçarei os teus sentidos na beleza profana e inigualável destes seis meses de escuridão, onde o teu silêncio se tornará ébrio, intoxicado por este Sol da Meia-noite. Onde a tua mão tremerá e os teus olhos crescerão,  rendidos à Aurora boreal. 

Aqui, enquanto dançam as partículas do vento solar e as temperaturas geladas deste planeta, poderei segredar, em pecado, sobre Deuses e outras Deusas.

Desejo que saibas que não nascendo entre eles aqueles e aquelas são o Meu Povo. São a minha salvação e a minha força que se torna imensa. Necessito desesperadamente deles como de pulmões para respirar e coração para sobreviver. Reclamo os teus sentidos nesta Runa escrita para te demonstrar claramente que me sinto estranho aqui. Que não pertenço a este lugar. Que sei com todas as fibras da minha saudade e nostalgia onde quero terminar a minha miserável existência.

Lá.

Com eles e elas. Com a  escuridão e a luz da Meia-noite. Com o odor do vento. Com o sabor dos líquidos a queimar e do pão negro a cozer, entre o meu silêncio extasiado e as conversas que transpiram calor divino; ouvir a música que toco e canto tantas vezes negra e sombria, mas aceite de braços abertos porque é um pontuar da minha alma.

Sabes, ofereço-te um trago da minha saudade pela tua companhia.

Deixo-te um suspiro nostálgico para que me atires os teus sentidos, mesmo que por breves instantes.

Talvez assim o grande lobo Fenrir se aquiete na sua fome e espreguiçando-se, esqueça por breves instantes o Ragnarök.

 

 

As minhas paixões são como chaves presas em fechaduras - aguardam apenas um primeiro, por vezes suave sintoma, para atear fogo aos dias e noites. Alguém me afirmou solenemente que seriam a minha derrota e queda. Talvez porque consomem muito da minha raiva, do meu ódio e principalmente da minha adoração - às vezes excessiva.

É estranha a melodia que entoa entre uma paixão e outra. Consigo, apaixonadamente, olhar-te nos olhos e afirmar-te que nada neste mundo permanece eternamente; tenho a certeza da verdade axiomática, tudo o que adoramos e odiamos acaba por morrer; da inutilidade e razão de continuamos a tentar teimosamente rezar perante um Deus de Nada. Surdo.

Consigo.  

Como se estas fossem paixões últimas e definitivas.

Mas há outros olhos e mais palavras à minha frente que não aceitam despedidas; nem sequer últimas palavras. São como paixões com o sabor requintado de um vinho temperado pelos anos e colheita experimentada. São a negação aos meus instintos mais espessos. O rodar exímio da chave.

Os afectos tangíveis são os mais violentos para a alma. O Universo retém o suspirar no preciso instante em que a palavra "amo-te" é sussurrada ao meu ouvido. E a ponta da língua húmida embala o meu ouvido e os meus sentidos. Tudo em estado puro.

Quando, nos dias em que o céu está claro e a terra cinzenta,  me sento no patamar das escadas e coloco os pés de botas pesadas em cima corrimão, deito o corpo para trás e vou bebendo lentamente o café negro e a arder, enquanto aspiro o odor intenso do amanhecer violento e frio do Norte, apaixono-me uma e outra vez pela solidão daqueles momentos em que tudo se silencia ainda. Esta é a paixão do egoísta mais expresso, onde tudo se torna possível pelos sonhos. A mais perigosa das paixões, porque é senhora e ciumenta.

Podemos não regressar desta paixão e solidão.

 

 

 

 

"Journey Through Darkness"

Kurt Weston,

fotografo invisual

A ironia é um daqueles gigantes silenciosos que caminha entre nós. As mãos em cima dos nossos ombros exercem a pressão que pode esmagar e, aparentemente, apenas conseguimos senti-la na sua força mutilante quando é tarde.

Quando entramos em casa e olhamos para a cadeira onde, outrora, alguém se sentava, com a chávena de chá na mão - só tecemos amargas considerações sobre a saudade quando desaparece quem já demos como dado adquirido.

Como desejar o frio nos dias de calor debilitante; como ganhar aquele prémio tão cobiçado e tudo o que sobra veste o manto indescritível de nada! Vazio. Vago.

Talvez a ironia questione a natureza do solitário nos dias onde o cheiro daquele corpo não está presente. Que silêncio conseguirá ser mais pesado do que aquele que nos espanta quando uns lábios se colam aos nossos, quando imaginávamos estar tudo alinhado naquela nossa tão sensata solidão?

Uma vez mais, não sei. Irónico, também.

É quase sarcástico que uma serena ironia seja responsável pelo desmoronar de muros altos como torres. Porque não entrou repentina. Antes na ponta dos pés, como um astuto ladrão de campas. Instalou-se no monstro que necessita de ver para crer -naquele cujos olhos fazem viver respirando quimeras atmosféricas, quando o olhar é rapace e por vezes, demasiadas vezes, verbaliza volumes silenciosos.

Talvez seja uma ironia ainda maior e exista afinal, um Deus, com um supremo humor que ironiza, na existência de um Ateu que se julga convicto. Na ironia de uma criatura cega de olhos baços, por vezes levemente tingidos de azul, possuir a capacidade de morder o flanco do incauto que julga o mundo pelo olhar atento. Entre espaços cheios de prateleiras e livros, banhados pela abóbada no telhado que jorra tanta luz, que não raras vezes, os olhos que vêem devem cerrar-se.

É a distância destes dias, obrigados a afastamento, que fecunda esta gigantesca ironia. É uma saudade tão dolorosa não conseguir ouvir a voz serena e o tic toc da bengala nos móveis. Ou os passeios, entre os suspiros dos enormes ciprestes, enquanto, de braço dado, caminhamos falando - porque ele se recusa ao meu silêncio e demasiada reflexão. 

É como retornar onde pertenço. Uma soberba ironia esta: Caminhar como despojado pela mão de um invisual que consegue retirar-me do poço. Sistematicamente.

E Corto, o cão enorme, potente, olhos do velho cego, reconhece-me! Sempre. Atropela-me de alegria e ladra como uma criatura infernal, enquanto o velho cego emite risadas sonoras e infantis. 

Corto arrasta o meu corpo maciço para a praia para uma disputa amigável de força bruta; enquanto rebolamos na areia fria, o velho invisual pressente e aponta vencedores - quase sempre o seu cão fiel.

Irónico, que esteja a escrever estas palavras e me sinta percorrido pela nostalgia e uma intensa felicidade.

Que neste preciso instante necessite de voltar a eles. Que irei regressar até morrer. 

Que morrerei. Ironicamente feliz.

Odeio ironias.

 

Por vezes, nos comentários anónimos que recebo, por norma pouco favoráveis e demasiado frementes nos seus moralismos dourados, duas palavras persistem, como toques sentenciais de quem acha conhecer-me, -  "perturbado e estranho".

Como se eu fosse um livro aberto, perfeitamente cristalino, onde bastam as palavras que escrevo neste buraco para que a minha alma seja desvendada. Como se não fosse óbvia toda a minha ânsia por privacidade - devia ainda ser mais cristalino que apenas descrevo traços mínimos, toda a imensidão que resta permanece em sombras. O conhecimento é o que eu quero que seja. Mais nada.

" Perturbado e estranho" podem ser folhas em branco onde gosto de exorcizar demónios pessoais. Meus. Inflexíveis. São as minhas batalhas e as minhas cicatrizes. As minhas vitórias e derrotas - demasiadas para carregar.

Sei de obsessão. Extremismo. De não ser referência ou exemplo. Porque pouco me interessa. Já se torna demasiado penoso tentar viver comigo próprio sem me afogar em ódio e frustração.

" Perturbado e estranho " são parte da exortação enfadonha de quem julga conhecer algo mais do que a sujidade do solo de onde nunca ergue o olhar.

E servirão perfeitamente para o epitáfio deste buraco.

 

"O homem que não atravessa o inferno das suas paixões também não as supera."

Carl Jung

 

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A timidez, inesgotável origem de tantas infelicidades na vida prática, é a causa directa, mesmo única, de toda a riqueza interior.

Emil Cioran

 

Existe um apaziguar que eu não consigo explicar, quando é possível permitir a entrada de outra consciência no meu universo pessoal. É como deixar, por momentos, ficar a um canto, a vontade de permanecer absorto nos meus próprios desígnios. Pequenos ou grandes.

Creio ser um desejo inconsciente de me afastar da minha própria Nebulosa. Observar outras atmosferas e outras dimensões; outras Nebulosas, se calhar bem mais vastas. 

Não sei. 

Talvez se torne necessário assentar amarras na ideia de que ninguém existe como uma ilha, antes como parte de uma totalidade com tantas galáxias - ainda que Carl Sagan já me tenha convencido da indiferença deste Universo para com todas as criaturas, gosto de matutar na ideia daquele ponto luminoso, diminuto, no firmamento, rodeado de outros pequenos astros. Mesmo que tudo se desfaça em poeira interestelar. Mesmo que perca a consciência e nada permaneça, quero que signifique algo para mim.

Este apaziguar com outra consciência que não a minha é uma melodia para mim, que persisto na crença desenfreada de Individualismo. Outras visões e outras palavras. Outros silêncios e outros labirintos que ajudam o monstro a caminhar menos solitário. Mais alegre na ideia de que nem sempre a justificação mais certa é a dos contornos draconianos do cinismo e do niilismo.

A companhia é isto. Química e exótica. Uma espiral de outras estrelas onde me permito  partilhar luzes e sombras apenas com as que nos seus espasmos mais cintilantes me cegam, e  desconhecendo, são portentos onde deito a cabeça.

E descanso.

 

Existem memórias impossíveis de cauterizar por mais que tente. São parte do inferno pessoal que me afasta do puritanismo dos que acreditam existirem virtudes inabaláveis na vontade de viver. São os retalhos que ficam plasmados a cinza e que persistem em sobreviver, como dedos apontados feitos de remorso.

Devia ter adivinhado porque estavam lá, claras e cristalinas, como o lago gelado em que gostava de se reflectir. Devia. Nos anos de amizade e  esforço para me arrancar do tufão em que gravitava - devia ter sido muito mais atento.

Mas não. Mesmo na minha consciência de astro menor na dimensão de um sol absurdamente brilhante, deveria ter olhado para cima, para longe da minha órbita. E é sórdida, esta necessidade que tenho de aceitar  este facto. Mesmo após tantos anos.

Deveria ter aberto mais os braços aos crescentes ódios e espasmos  de frustração que assombravam palavras e gestos; nunca deveria ter cerrado o pensamento às sombras que rodeavam aqueles olhos antes intensamente brilhantes, fulgurantes num mar de lógica imbatível, e pensar que tudo se iria resolver, enquanto a minha condição troçava dos meus pensamentos.

E tem graça, não é? Como poderia um naufrago em estertor de morte ajudar quem quer que fosse? Quase consigo rir-me desta piada!

De facto, somos nós que mantemos acessa a chama da vida. E somos nós que decidimos quando demais é demais. Mesmo que brilhantes como constelações, por vezes crescemos tanto, somos de tal forma colossais que este corpo deixa de conseguir comportar o nosso respirar. Tudo parece dispersar-se em nós. Deixamos de acreditar em salvação. A redenção está no fim que determinamos. 

Quem ainda decide continuar transporta consigo o fardo da perda. Seco de lágrimas inúteis. E só muito mais tarde surge a compreensão, astuta e fria. E isto nem sequer se revela uma penitência. Antes um veneno consumido com aquele requinte da mais absurda impotência e frustração.

Nem sequer se reveste de qualquer consolo concluir que assim acabou por ser melhor - que viver o resto de tempo como uma concha vazia é uma atrocidade pior. Porque é neste preciso instante de claridade que o desespero se revela na sua verdadeira essência cruelmente vermelha e tinta de arrependimentos.

Uma imensa porção da nossa alma desaparece. Permanece uma solidão órfã de riso e companheirismo nos momentos mais negros. Agita-se um desespero pelo súbito abandono nos pensamentos. Tudo nos recorda quem já foi. E já não é.

A Morte acaba por ser um estranho consolo. Mas para quem continua a respirar remorso por cegueira ficam as farpas que sistematicamente, pausadamente,  relembram outros dias de genuína felicidade.

 

 




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