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Aos dias de existência no Limiar,
É fácil, tão estranhamente fácil, adormecer ao som do vento que assola a subida; uma tentação que nos canta os encantos de parar, adormecer e deixar morrer. Algo doce e amargo a tracejar o resfolegar do coração, não deixando lugar ao pensamento. Uma voz nossa. Nossa.
Gosto tanto deste egoísmo que consome os meus últimos instantes, antes dos passos finais para o cimo! Do prazer intenso de mais um fim do caminho. Da fome voraz que comanda o passar para uma nova página.
Este egoísmo absoluto, e perto, tão próximo da loucura, que me arrasta e sujeita a consumir todos aqueles instantes como únicos e sem repetição. Este balançar na velha cadeira do sonho. Esta paixão que não me deixa descansar e que um dia irá consumir a minha alma.
Este terminar num respirar moribundo procurado e consentido. Nestes dias de chuva, muita chuva.
Esta vontade de voltar a partir. Este egoísmo de não regressar.
(Fleuma,)
A viagem pode ser interminável para o viajante insaciável, mesmo neste mundo onde tudo parece ligado; onde todos parecem pensar no mesmo; todos parecem querer seguir pelos mesmos caminhos. E onde as distâncias parecem atemorizar muito mais do que resplandecer o sentimento de liberdade.
Alguns. Uns poucos. Seguem sempre mais longe.
Não é sequer um sentimento de lobo solitário. Não, claro que não. Nada tem de romântica esta necessidade de viajar muito mais longe. O poeta que anseia pela descrição do viajar raramente conhece o Viajante, porque nem sempre lhe reconhece aquele odor de loucura a vaguear, ali, um pouco mais abaixo da margem que se avista. Não consegue realmente descrever a surdina do pensamento dos que sistematicamente se recusam a aceitar a pacatez dessa imobilidade, que muitos reclamam como felicidade e vida. É como uma fome incandescente que devora o espaço. As horas e os dias.
Eu partiria contigo muito antes do sol nascer. Quando a noite ainda segredava outros encantos. Como gosto de o fazer. Desde que me recordo de mim como criatura caminhante que anseio por começar a Viagem antes da luz do sol.
Partilharíamos as estradas e as montanhas como dois companheiros incansáveis. Os nossos olhos seriam os espelhos da nossa própria salvação. A neve dessas encostas a nossa amante possessiva com o beijo gelado dos ventos a sussurrar sobre outras encostas e outras escarpas.
Caminharíamos pelo calor com panos na cabeça e a face tapada. E sei que esses olhos iriam cintilar com as tempestades de areia.
Mergulharíamos nos mares gelados do Norte até conseguires tocar, nadar, deslumbrada, entre os seus grandes fjords num silêncio astral. Nunca mais desejarias voltar a olhar para trás.
Saberias de Runas e conhecerias os teus próprios passos na Grande Floresta. Onde viaja o corvo da montanha. Porque somos criaturas desmedidamente pequenas a construir Grandes Muralhas, apenas para manter aceso o sonho de grandeza.
Conhecerias os Meus. Os Meus Salvadores. Provarias do vinho do Seu Orgulho. Do Seu Rir. Da Sua Força tão imensa. Cantarias as Nossas Canções junto ao grande Fogo. Dançarias nas brumas enquanto os céus se queimam nas auroras. Brindarias entre Amigos. Irias rir e chorar porque nada se compara a estas preciosidades únicas e tão distantes da tua vida agora.
E sei que quando voltasses aos teus dias de agora saberias porque sempre te falo de Saudade e Nostalgia.
Sei que os teus olhos iriam brilhar distantes.
Que irias traçar lembranças a negro no teu corpo, num recordar que apenas sossega quando se despe, e pelo olhar sereno e intimo, pela ponta de um dedo que segue por esses esquissos, afoga um pouco a
vontade de voltar a partir para junto Deles.
E nunca mais regressar.
(Fleuma,)
"Valhöll"
A minha reverência vem da Sombra. É carnal e ansiosa pelas noites longas. Bebe sôfrega na ausência de um corpo onde descanso. Uma salvação entre purgatórios. Uma necessidade de libertação. E desejos. Demasiados.
Mas alguém sabe melhor disso do que eu. Alguém transfigura esta reverência demasiadas vezes carnal. Animal. Sedenta. Numa pacificação que submete a minha paixão, como se em toda esta saudade estivesse a chave para justificar tanta fome.
Pouco sei dos meus instintos. Não sou capaz de juntar todos os pedaços porque fico cego, porque se torna impossível adormecer na Sombra. Porque sei que apenas restaria um Inferno sem dono. Prefiro essa brevidade de instantes que alimentam os animais.
Mas conheço a voracidade que acompanha os meus instintos. Sei o que nasce da subversão do meu pensamento a tanta paixão escura. Sei da maldição de quem insiste em beber do seu veneno irresistível.
Sei.
Assim.
A alquimia perfeita no desejar de um corpo, comprimindo cada estilhaço de ânsia numa febre de morte, exaustão e derrota. E mesmo assim, desejar essa derrota como única salvação para obter algum abrigo e paz.
Sei que assusta.
Porque no silêncio das minhas emoções não consigo esconder um fogo primário e blasfemo e que nunca consegui prender seguro. Porque não sinto culpa e apenas deixo que me consuma em rasgos.
Mas alguém sabe disto melhor do que eu.
O brilho dos seus olhos é Cósmico de triunfo e conhecimento.
A sua arte de submissão animal é ancestral e inexplicável ao meu barbarismo emocional.
(Fleuma,)