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... para ti.
Hoje choveu durante toda a noite. Ríspido e arrogantemente, choveu neve. Hoje, até o vento foi mais violento e inquieto na voz, insistindo na presença sibilante das minhas insónias.
E hoje alguém me falou de saudades. Alguém me chamou para dizer que tinha saudades de mim. Assim, sem me avisar - sentiu a minha falta. Esta coisa estranha emaranhada na minha insónia, este simples artefacto transformado em algo que consegue preencher outros vazios. Algo quase desconhecido para mim que sei despertar essa saudade apenas a alguns. E no entanto, longe destes, bem mais distante de mim, traçado por dias passados, alguém reteve algo de mim, uma lembrança que deixou poisar uma saudade e uma falta.
Estranho.
Porque acabou por acordar uma saborosa nostalgia passada. Estranho. Esse sereno apertar de memórias que se consuma numa vontade de regresso e voltar a encontrar outro. Estranho, porque nem sempre os limites pertencem aos mais próximos de nós, os que nos acompanham todos os dias.
Senti a fraqueza que parece consumir a minha respiração quando algo semelhante a um rasgo de felicidade cintila.
Mesmo com a chuva de neve e o vento agreste consegui deixar entrar a saudade de outro.
Adormeci muito antes de amanhecer. O sono foi de horas. Solto. Livre.
(Fleuma)
"Enquanto o padre, esse negador, caluniador e envenenador da vida por profissão for aceite como uma variedade de homem superior, não poderá haver resposta à pergunta: O que é a verdade? A verdade já foi posta de cabeça para baixo quando o advogado do nada foi confundido com o representante da verdade.", F. Nietzsche
Esta noite o silêncio é meu.
Os sonhos são os meus.
(Fleuma)
Um primeiro sinal de comunhão entre sombras:
- Deixar a noite correr em sossego, e de manhã, esconder-me no sono; magoar-me em sonhos, acordar envelhecido, gasto. Esta é uma virtude que cultivo em mim, como se de uma velha, muito antiga prece se tratasse, enquanto vou insistindo num mesmo sentido, longe da vontade que teima em aprisionar os meus passos. Queria muito excitar a minha razão com uma explicação sóbria, filosófica, sobre este pulsar que me isola os caminhos, mas nunca me senti completo nas margens, no conforto de palavras certas.
- E no entanto, sempre procurei uma casa, um abrigo de viagem, por mais breve que seja. Compreendo isso agora, cintilante, delirante, porque se tornou um pensamento de justificação para tanta necessidade de distância, porque se tornou tão essencial como um corpo de Mulher que me abriga os sentidos na tempestade ... Uma casa onde regressar, mesmo que de muito longe: regressar.
- Esta comunhão é como um vinho raro. Frio, embriagante. Percorre os meus sentidos, aquece a minha alma, assombra a razão. Consumido em demasia por uma fome insaciável, dilacera-me os dias na vontade de nunca mais regressar. Mas se eu continuar a procurar um abrigo é como o sabor de um café negro, filtrado, a escaldar, a libertar um odor intenso entre o vapor que sobe pelo buraco da caneca que nos aquece as mãos. Tolda o estômago, deixa-nos a tremer, atentos e tensos.
- Gosto desta comunhão, mesmo sabendo que o vinho e o café não se misturam. Nunca. Mesmo que eu continue a tentar uma e outra vez como um louco que persiste num mesmo sistema para cair nos mesmos resultados.
(Fleuma)