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Na primeira vez os olhos não conseguem permanecer distantes, incapazes de compreender aqueles primeiros instantes de portento. Nestes estranhos momentos, a ilusão da permanência deixa de ser apenas um mero sonho, acredito. Uma primeira vez, para deixar que sobreviva dentro de mim aquele pensamento que alimenta a chama de que algo irá continuar muito além de meros instantes, de que não será apenas breve e depois esmorece. Sempre bateu mais forte o coração assustado nestes primeiros instantes da mais absurda incompreensão, como se este vacilar diante disto, nada, rigorosamente nada mais fosse do que aceitar uma derrota de fragilidade pessoal. Há uma submissão a uma certa vitória dos outros em mim que sempre me trouxe o sabor amargo da cedência, uma sinistra glorificação de morte interior que me consome os dias,  por vezes durante meses; um passear na escuridão a que me submeto com aquele rigor antropófago da mente que procura uma saída para uma evidência, não pela arrogância de quem se acha irredutível, mas antes pela chicotada de quem reconhece uma semente de esperança em si, mesmo sabendo-a rápida e ilusória. 

Às vezes basta a pequena chispa de uma voz para desencadear as minhas tempestades. A vitória de quem acendeu este rastilho sobre quem se deixa adormecer na ilusão de que algo irá permanecer para sempre, é um caminho escorregadio e perigoso para a sanidade pessoal. É uma cedência do cinismo frio e analítico, demónios inconstantes, à descoberta da presença em mim de uma emoção que demasiadas vezes julgo desaparecida: o espanto que me submete a visão sem a possibilidade de distancia. Apenas uns poucos o conseguem com uma cadência embriagante. E quando nasce pela potência da surpresa, quando aparece no meu caminho sem aviso, quando consigo sentir aquele precioso estremecer de espanto repentino, tudo o que importa nesses precisos minutos é essa dádiva que me força a esquecer um passado em que decidi matar a minha última esperança.

( Fleuma )

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Sean Mundy

 

Um dos primeiros e mais seguros sinais de desvirtuação individual é a incapacidade do pensamento próprio - essa "magna atitude" que submete o orgulho, obtendo uma mistela asquerosa de narcisismo imbecil e submisso, confundindo a nobre arte da auto-estima com os acessos piedosos e infantis que recusam os factos porque estes ferem as emoções. Esta falta de pensamento, este acarinhar de um sentimentalismo desprovido de farpas que torna mansas certas criaturas, eterniza cismas e sectarismos, não aceita a nossa indiferença perante as escolhas pessoais dos outros como justificações para uma constante necessidade de atenções e massagens no ego. Emil Cioran escrevia, " Somente o que está escondido é profundo e verdadeiro. Daí a força dos sentimentos vis.", e não poderia ser mais premonitório no seu cinismo descrente numa sociedade que nada preserva, nada reserva, tudo expõe e pura e simplesmente odeia a palavra intimidade! 

( Fleuma )

Certos locais de escrita são como pequenas candeias que iluminam as noites mais escuras, por vezes fora da nossa rota, apenas visíveis aos que caminham e pressentem os seus ventos distantes. Porque nesses locais de escrita a palavra soa-me a outro vento que poucas vezes senti. É estranha esta virtude que mora nos dedos de certos, a estranha capacidade dos que caminham entre labirintos sem temor de locais ermos e escuros, o seu desapego - este mesmo sabor - sempre foi para mim uma fonte de obsessão, uma porta para o outro lado. 

Descobri que em certos locais de escrita as minhas chaves de portas são forjadas no metal cristalino da Saudade e da Nostalgia, que não interessa se é manhã ou entardecer, sequer se é noite de chuva. Que alguém não olhou o monstro em mim e simplesmente estendeu palavras escritas como dedos esticados entre sombras - sem medo dos dentes escondidos.

Certos locais de escrita quando trancam as suas portas deixam no ar a memória de uma casa iluminada por um sol terno do inicio de Outono, banhada em claridade aconchegante. Apetece aspirar os seus sonhos e passos distantes, deixando cintilar a certeza de que uma nova solidão mora agora nesses raros locais.

O caminhante carrega essas memórias fechadas em si. 

E é estranho o seu sabor.

(Fleuma)

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