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Por vezes, no regresso a este local, sinto uma estranha emoção, muito interna, muito presente. Neste ponto onde tento respirar outra atmosfera, respiro saudades de ti. Creio que é de egoísmo que escrevo estas palavras, de ingratidão porque me afasto para demasiado longe com demasiada frequência, mas pouco me interessam essas falhas. Certos vazios nunca são realmente preenchidos mesmo que consideremos ser um direito criar o vácuo. A saudade não deixa de estar presente ainda que breve, mas é terrivelmente intensa como aquele instante de quem entra em casa e tudo está vazio e silencioso, um caminho que abre as portas e anda pelos corredores sem uma presença, sem um som além dos seus próprios passos. Este torpor que sujeita os sentidos fascina-me mas embrutece o pensamento porque algo está ausente, perdido entre uma certa nostalgia do que não irá regressar. Sabes que eu acho a saudade e a nostalgia em facas de fios afiados que rasgam e mutilam sem piedade. Sabes que sim. E assim deve ser para sentir o verdadeiro sabor do valor de quem, em momentos únicos, partilhou as minhas palavras e me chamou amigo. Algo primário e visceral como se nesses precisos momentos, a viagem não fosse solitária, pelo menos neste local. 

Para mim é o acenar a uma vontade de não esquecer o que não é fácil de encontrar.

O assentir à preciosidade de uma porta aberta.

(Fleuma)

 

A saída pelas portas deslizantes deixa atrás de nós os corredores brancos e o ruído dos passos de gente - demasiada gente...

O meu nariz saturado pelos odores. E a pacificação de mais um diagnóstico tranquilo que ainda assim, sistematicamente, agitam as minhas noites e os meus caminhos enquanto a acompanho. Porque nada mais posso fazer - apenas acompanhar e aceitar a memorização destes passos entre as paredes imaculadamente brancas e o assobiar do calçado no chão esterilizado, que eu sumamente abomino e vou sempre odiar, porque nunca deixará expiar as recordações de um passado onde a morte pareceu sentar-se junto à sua cabeceira, pacientemente. Uma velha Senhora. Uma sábia artesã de incertezas e derrotas sem regressos.

Devia antes rejubilar pelas suas vitórias, quando na sua face já se traçavam os esquissos de um fim prematuro. Antes dobrar um joelho para o chão e baixar a cabeça em absoluto sinal de reverência, porque afinal, isso é o que deve ser feito diante dos que verdadeiramente combateram, perante o brilho cego da sua armadura veterana de mil noites de tormenta, mas vencedora. 

Tudo isso eu faço. Esse reconhecimento existe em mim. Esse reconhecimento e assombro por essa criatura que venceu, Ela e apenas Ela, uma escuridão onde eu já me havia perdido. Tudo isso eu assumo. A minha fraqueza de espírito e descrença, vergaram os meus pensamentos a uma rendição vergonhosa e subtilmente cruel porque não aceito essa derrota. Nada é mais venenoso em mim do que o pensamento que aceita e pacifica a minha derrota como um "gesto causado por uma exaustão absoluta"! Recuso negar a mim próprio este flagelar porque recuso esquecer-me. Eu nunca me esqueço! Eu nunca me esquecerei. 

Permito, mesmo assim, o consolo de um privilégio raro, a virtude do olhar que insisto sempre que seja muito breve, por um receio visceral do que passou afinal ainda esteja presente, tudo não seja mais do que um sonho. Mas preciso deste olhar para um descanso breve. Necessito de testemunhar a sua transmutação de um calvário frio e escuro, das noites agarrado à sua mão pálida, a sussurrar a sua melodia preferida, mal conseguindo ver uma luz nos olhos verdes. Sei perfeitamente o sabor do desespero mais surdo! Sei qual é o seu gosto - sabe a desesperança e reduz tudo o que nos rodeia a meros flocos de pó - é cozinhado em labirintos que não deviam existir. Mas estão vivos. 

Necessito de ver como se tornou bela com o passar do tempo num portento criado pela conjugação perfeita. O cintilar dos olhos verdes, vivos e sagazes, a força de um corpo forjado na guerra, o assombro de uma alma cuja essência só consigo explicar por pensamento, a palavra nunca lhe fará a justiça! A minha indiferença perante o que me rodeia quando a acompanho combate o pensamento que não me deixa esquecer um momento de derrota. E o sabor de uma bola de chocolate negro gelado banhado em café morno, esse repetir do primeiro instante de libertação, de vitória, esse ritual que jurámos ser eterno, é o momento mais magistral da minha miserável existência! Este e apenas este instante justifica a minha sanidade.

( Esta necessidade de expurgar.

Este veneno digerido pela força.)

(Fleuma)

 






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