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Gosto dos que não se arrependem com uma frequência pegajosa e de hábito religioso. Talvez porque o verdadeiro arrependimento tenha um sabor inexplicável, complexo, demasiadas vezes provocando uma espécie de dormência que nos deixa doentes e indefesos. Há um desnudar neste admitir massivamente violento para o orgulho, um sabor muitas vezes amargo de derrota, que nos perfura e reduz a um estado primário de submissão demasiado dolorosa. Por isso o verdadeiro arrependimento é raro, tão solitário como penoso e violento. Por isso sou incapaz de acreditar em pedidos de perdão demasiado constantes, sempre nas primeiras palavras, e sempre, sempre após um erro cometido. Porque não é possível suportar o peso de algo tão visceral com essa frequência. E como tudo o que é raro e precioso, cada pensamento de arrependimento sentido arranca um pedaço de nós que não regressa - fica perdido. Mas quando acontece tem também aquele doce sabor de uma revelação única, um espasmo de conhecimento mudo em estado bruto, talvez até aquele reconhecer de que não se trata de um vergar humilhante, antes um sarar de mutilado.
Por isto não é possível a insistência pegajosa e religiosamente reservada num verdadeiro arrependido, que tem tanto de doce como de amargo.
(Fleuma)
O sossego destes últimos dias cria um espaço de descrença em mim.
Se calhar é uma quimera minha procurar esta calma quando tudo parece girar numa entropia que consentimos, mas gosto disto, como acho virtuosos os dias em que durmo e não sonho. Um estado oculto raro e quase desconhecido. Quase.
Este silêncio neutro, a calma que respiro, quebra a dormência da minha insónia e consegue carregar o meu adormecer com um peso que me assombra. Assusta-me não estar debaixo dessa permanência alerta. É um território quase desconhecido essa magia dos olhos que pesam de cansaço, esse extasiar de quem lentamente deixa cerrar as pálpebras para se desvanecer numa espécie de morte aceite. Nada se torna realmente mais glorificante do que essa calma espessa, esse silêncio sepulcral, que antecede a confirmação dessa certeza, de que o sono pesado e inconsciente chegou.
E que é fútil qualquer esforço de resistência.
(Fleuma)