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Perdi o controlo.
Pura e simplesmente.
O que tornou o processo ainda mais catártico e transviado do cismar habitual em que reconheço o meu próprio cogitar, a passagem entre os labirintos e a ânsia da mão que se estendeu. E é estranho que um gesto tão suave e assertivo, com uma longitude tão breve se transforme num pulsar tão violento para mim, volátil e fora de tempo. Esta é uma dissidência de sensações nos meus cálculos de antecipação, uma agrura que tento exilar por egoísmo de sobreviver há tanto tempo que já perdi a conta, sem a reparação do sucesso. É como se por vezes não sentir seja uma espécie de paz podre que consegue evitar uma conflagração violenta dos meus instintos, provocando um desabamento em torrente irrecuperável, um esticar emocional que mutila todos esses anos a esculpir uma armadura blindada, aberta apenas aos meus escolhidos.
Uma arrogância minha. Claro. Como se fosse capaz de filtrar os momentos de dano segundos antes do embate com uma eficiência predatória!
Mas creio que foram as suas lágrimas a cair nos dedos grossos da minha mão que criou a faísca da combustão. Foi esse quase inaudível gemido de fraqueza, aquele libertar de lágrimas tão friamente genuíno e cansado. Tão estranho e não reconhecido em mim mas tão potente naqueles precisos minutos, na mais absoluta demonstração de fragilidade humana, naufrágio e necessidade de abrigo na tempestade.
Humana demasiado humana.
Abri os braços e ofereci-lhe o meu peito.
Apertei com força. Demasiada força.
Chorou no meu ombro durante muito tempo.
E estranhamente, perdi o controlo.
Pura e simplesmente.
Naquele momento no tempo pareceu-me certo.
Apenas isso.
(Fleuma)
(999)
Certas Artes conseguem iluminar recantos obscuros e transformar paradoxos em expressões subliminares de beleza escura, retratos que podem, perigosamente, revelar emoções e pensamentos enterrados. Ocultos. Talvez até consigam explicar a plástica entre a Sombra e a Claridade com a arrogância da observação meticulosa do artificie com séculos de prática. Ou então pelos olhos de quem sente o mesmo no preciso instante em que retrata as Sombras e as Claridades como se fossem familiares em si, tocadas com traços de paixão, reveladas num instante de portento tão ciosamente raro como ser amado por inteiro, sem separações ou lacerações. São olhares íntimos que captam expressões fugazes como um pestanejo, plasmadas naquele preciso instante, depois voltando a recolher-se entre véus de desconhecimento, suspiros breves de reconhecimento que se encontram pela mão Artística.
A Arte que corporiza a latência entre as Sombras e a Claridade é a mais bela das dádivas humanas, o espelho do Verme e do Anjo que reveste a nossa carne, um santuário de humilhação ou a glorificação de uma essência intima, submersa no receio pessoal de expor a verdadeira natureza. A nossa verdadeira natureza pela carne num pormenor captado no exacto momento do alinhamento.
E são terríveis essas Artes nas mãos e pelos olhos dos que as dominam; parecem vestir-se de um apelo e sedução insólitos quando nos conseguem convencer da existência de algo belo em nós, onde julgamos apenas existir uma mancha impura. Esta alquimia que transcende a nossa própria intimidade enquanto vai misturando as nossas emoções é ostensivamente fascinante e subversiva, porque cria em nós a harmonia de uma admissão, ainda que apenas por escassos segundos.
A Singularidade que torna possível "ver" a beleza que respira e se esconde entre as cinzas da nossa incerteza é perigosa, porque descobre a nossa própria alma.
(Fleuma)
"Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir." - G. ORWELL
(999)
Uma das mais raras pérolas do distanciamento é a capacidade de análise ao que nos rodeia. De tal forma que, se bem nutrido e experimentado, esse analisar se converte num processo de desbaste lato, frio e atrito a inutilidades. Este pragmatismo criado por um distanciar que muitos afirmam mergulhar a pessoa num cepticismo incorrigível, num cinismo demasiado ácido e vazio, é uma forma de arte obscura, cultivada entre sementes de estoicismo e observação pessoal quase a roçar um frio glaciar e que, com demasiada regularidade transforma coisas, pessoas e acontecimentos em mentiras ou absolutas referências de comportamento. Por vezes implacáveis e dolorosas, mas tão essenciais a quem se afasta e observa como o respirar. Essa é a virtude de quem olha também para si próprio com a clareza clínica das suas imperfeições, fruto de anos e danos pessoais, não se reconhecendo como um modelo a seguir, enquanto vai destronando os seus ídolos um por um.
Esta capacidade de auto critica parece ter desaparecido nas atrocidades destes tempos "modernos", na simplicidade e imbecilidade do caos das atitudes e acções mais incoerentes, ao exercitar mais corrosivo de um pequeno número de bastardos ideológicos que há muito deixaram de respeitar o individuo em nome de um conceito moribundo: o bem de todos os seres humanos!
A pouca tolerância para venerar a real e verdadeira definição de Liberdade de Expressão principalmente quando outros discordam da nossa forma de pensar, é sistematicamente apresentada aos nossos olhos como um gesto de preconceito, que demasiadas vezes cobre com uma capa de vitimização a idiotice mais indefensável e absurda. É apenas mais uma prova do gozo que dão os extremos e do prazer que parece oferecer a bota a esmagar a nossa cabeça. Esta predestinação para reverenciar tudo o que é dito como verdade absoluta apenas porque é partilhada em massa, é parte de um epicentro de ignorância obtusa, tão glorificada porque vem das emoções, esquece demasiadas vezes os factos e o incontornável pormenor de que estes não querem saber dos nossos sentimentos! É uma horda de preguiçosos infantis que balança quando ordenado, indefesos e incapazes de suportar um espasmo de contrariedade que ofenda o seu bem estar ou a sua formatação cerebral.
Esta é uma das maiores justificações para as mudanças que se observam nestes dias - que aliás não são novas. Sempre foi assim. O problema é que a Liberdade de Expressão arrasta consigo a Liberdade de Escolha, uma abençoada alquimia que nos torna criaturas ímpares, mas a sua omnipotência assenta na suprema ironia da insatisfação: a nossa escolha nunca terá a concordância dos outros. Nunca seremos capazes de concordar com as escolhas doS outros e iremos sempre encontrar motivos para impor as nossas visões pela força.
Ponto.
A virtude que idealiza a escolha livre e sem pressões de um Povo através de um sinal no quadrado de um símbolo, é apenas e só eloquentemente aceite se for em acordo com a "minha" defesa doutrinária. Fora dessa zona cinzenta de ideias os "outros" são o perigo que é preciso combater. A liberdade de voto nunca foi realmente aceite no silêncio de que uma maioria escolheu e decidiu. Apenas se for em concordância com a nossa visão.
Esta Liberdade para Escolher tem uma última e deliciosa ironia: não existe nenhum Povo que aceite de Livre Vontade as consequências das suas decisões e a punição que germina as ditaduras autoritárias. Sejam de Esquerda sejam de Direita.
E porquê?
Porque não existem Povos arrependidos e muito menos os que se recordam.
Todos votam no esquecimento.
(Fleuma)