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A VIDA
 
Já não sou grande coisa nisto de viver a vida.
Por vezes acordo e já não a reconheço.
As casas, os carros, a mobília, os livros são um borrão
enquanto as árvores, os pássaros e os cavalos são agradáveis
e nítidos. Também compreendo a música
de uma variedade antiga - pré-século dezanove.
Onde estive eu?
A recontar flores a partir da janela do comboio
entre Sevilha e Granada, touros e oliveiras também.
Não consegui dormir no quarto do Lorca porque estava assombrado.
Até o vinho que levei estava assombrado.
Espanha nunca recuperou deste assassinato.
As suas noites estão repletas dos dentes vermelhos da morte.
Muitos se juntaram a ele. É impossível contar,
para cima e para baixo, pássaros e flores ao mesmo tempo.
 
JIM HARRISSON,
"Que os teus cães mortos não te encontrem no paraíso"
 

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Dos nossos cinco sentidos a Visão ocupa 70% dos nossos recursos de matéria. Mas se nós olharmos menos teremos muitos mais recursos para os nossos outros sentidos. Se estiver frio o nosso Odor quase desaparece mas a nossa Audição aumenta de forma quase aterradora, aprendemos assim a venerar a ausência de ruído, a soletrar os artifícios do silêncio. Mas se houver neve tudo o que restará será uma expansão tão imensa que se torna tangível. Tocada e sentida na nossa pele. É precisamente neste expandir que se esconde uma forma de loucura muito pessoal e que se disfarça de muitas tonalidades. Quanto mais insistirmos no seu silenciar mais ensurdecedora se tornará.

 “Conhecer a sua própria escuridão é o melhor método para lidar com as trevas das outras pessoas.” ( Carl Jung )

 

(Fleuma)

Compreendo porque vejo nele um espelho de mim próprio muito para além da falsidade na crença de uma "alma-gémea" e na banalidade que se tornou pressentir-lhe os caminhos como se fossem os meus, mesmo sabendo que somos de outros locais e de outras passagens mas que acabaram por se cruzar. 

" ... um espelho de mim próprio ..." como se fosse um irmão de sangue, um apoio numa parede sólida mesmo em dias negros e de sombras penosas, um reflexo que puxa as minhas incertezas e abandonos. Um irmão de existência lenta como um fogo que aquece nas noites de gelo inclemente, áspero como eu, o meu diário pessoal, muito meu, uma viagem da alma se quiserem. Sempre pensei nele como uma sublevação e um ditador de si mesmo, violento contra as suas emoções, perfeitamente adaptado aos rigores de um mundo de merda - imperfeito. Tal como eu.

Imperfeito. 

De algum modo, um dia destes serei capaz de explicar porque será esta a verdadeira essência de um irmão nos seus reflexos e nas suas paisagens negras como se fossem minhas, sem retoques de primor na sua beleza difícil, crua e severa, mas que oculta uma pacificação sem os ventos da tempestade. Um reflexo pessoal que pinta o Inverno nas cores da nostalgia e onde eu gosto de descansar nos silêncios que me ensinou a proteger.

Antes temia que tudo isto me tornasse menos "humano" e ainda mais vulnerável. É difícil aceitar uma intensa "ausência de luz" como um acto pessoal de libertação e por vezes tão necessária, onde assume a proporção de uma preciosidade que respira dentro de mim. Não poderia estar mais equivocado. Mesmo que nem sempre imune à fragmentação.

Não conseguiria estar mais errado. 

(Fleuma)






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