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A insistência dos que negam o valor imensurável da violência em nós carrega sempre aquele fardo de uma cegueira obstinada e ignorante, apenas corporizada na ideia de que tudo o que é violento provoca dor e sofrimento. Sei um pouco dessa violência. Da minha violência pessoal. Nada no mundo exterior consegue ser mais brutal e doloroso do que a minha própria capacidade de abuso de força em mim próprio, porque conheço todo o meu catecismo de aflição intima, sou um mestre no manejar do chicote do algoz e pouco me importam os que pensam nisto como uma impossibilidade. Reconheço-lhe certos labirintos de escuro absoluto onde demasiadas vezes me arrasto por buracos, e muitas vezes pareço ceder e ajoelhar. E no entanto é esta a violência deste mundo. Através desta lente tenho visto a mecânica complexa de outras criaturas com uma clareza que as transforma em engenhos preciosos. No reconhecer destas pulsões tenho adormecido num assombro que de uma outra forma, negando, nunca aconteceria. A violenta capacidade do ser humano para fomentar a discórdia, as doutrinas ideológicas que sistematicamente nos arrastam para o abismo e o nosso talento para criar destruição, são apenas algumas derivações desta violência.
Mas, e essa violência forjada numa brutalidade muito pessoal e que a transforma numa beleza divina? Algo visceral e convulsivo. E a violência torcionária da Natureza que de tão brutal ser se torna num principio único e imutável?
Sou violento!
Sei que o sou nas minhas paixões e entregas. Eu sei que tudo em mim se reduz demasiadas vezes a testar e a calibrar emoções; necessito de uma mão para sair do fosso onde me deixo resvalar sem a pretensão de voltar a subir. O ódio, a raiva, são tão possantes como o amor que eu sinto, e já bebi muitas vezes deste estranho caldo para aceitar também a violência como um acto de entrega e sacrifício por outros. Esta clareza de quem sabe em cada fibra de si que certos sacrifícios por outros seriam perfeitamente justos e aceites sem um pestanejo tem tanto de violento como de belo. Talvez até seja o que quem me desconhece sempre gosta de afirmar - algo nisto me torna numa criatura perigosa. Não conseguem destrinçar o cinismo e o calculismo frio das minhas devoções. Se o soubessem, nem que fosse apenas por instantes, saberiam que o meu sacrifício seria apenas em nome de alguns, uns poucos; que jamais o faria em nome de um martírio religioso ou político! Que a beleza profana de uma certa violência, para mim, apenas encontra sentido na cedência aos que me arrastam dos buracos e nunca me abandonam.
E pouco me importam os que não acreditam e achariam impossível aceitar esta certeza.
(Fleuma)
"Aqueles que amam com grande paixão nunca poderiam amar várias mulheres ao mesmo tempo: quanto mais força há na paixão, mais o seu objecto se impõe."
(sagrada) Reynisfjara
(Por baixo da Luz fugaz ...)