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"Odeio a sabedoria desses homens a quem as verdades não afetam, que não sofrem por causa dos seus nervos, da sua carne e do seu sangue. Só amo as verdades vitais, as verdades orgânicas saídas da nossa inquietude.", Emil Cioran
A solução não é esquecer. Muito menos adormecer na ilusão de que não fui tão culpado como cego no meu próprio egoísmo.
De resto, recuso deixar que essas cicatrizes se convertam ao sossego com o passar dos anos. Não e não!
Nem sequer permito esse consolo de quem apaga o remorso. Quero que fique na minha memória para sempre, ao sabor do seu envenenar e mutilar.
Aceito-o como meu e apenas meu. Enquanto eu existir será carregado por mim e apenas por mim.
Ninguém mais!
(Fleuma)
Posso perfeitamente adivinhar o instante em que começou a definhar numa espécie de decrepitude apressada. Ainda que no inicio tenha sentido algo semelhante a uma pontada de lamento, depressa se desvaneceu essa impressão, sujeita ao rigor da tirania de uma constatação: em si nunca se agitou um espírito sagaz e felino no sentimento. Antes a presença dessa semente de ignorância, abundantemente travestida de jocosidade que servia apenas para abafar uma simplicidade ornamentada, numa textura sem definição, frouxa e mal nutrida, cansada e envelhecida. Não possui ainda hoje a virtude dos que envelhecem magnânimos, sábios e blindados na certeza do que conseguiram viver, naquele respirar indescritível de quem verdadeiramente se sentiu vivo escutando outros cantos que lamentavelmente, apenas agora, nestes últimos passos, reconhece nunca ter celebrado.
Porque nunca viveu realmente.
Apenas respirou até definhar.
Zdzisław Beksiński
O fantasma interior
"Acho que é esse o meu território de passagem, nesse labirinto recolhido e sombrio em que raras vezes se observam os olhos, mas onde, sem que seja por mim, também as palavras se tornam carregadas, sensuais naquela espécie de luto puritano, quase a roçar um beijo soturno e proibido. Nunca me pareceu bem a escrita que tem o punho leve como a pena de um pássaro, creio que se perdem em mim essas expressões de benevolência, parecem ser um atributo de escritores que se imaginam em frente às portas douradas da Virtude. O excesso que carregam certas linhas justifica esta minha obsessão por uma escrita cromática, ainda que rara nos pulsos de certas criaturas, e que apenas parece erguer-se nos dias em que as suas correntes se alongam.
Sim. É isso mesmo.
Tão obsessivo como esta paixão desmedida pela pintura de pesadelos de Zdzislaw, que varre o meu surrealismo e a minha distopia, é precisamente nesta vitalidade que se encontram as minhas maiores paixões, quando alguém escreve e deixa que se abram as portas de alma. Por isto prefiro os que desnudam os seus Invernos bem mais do que aqueles que apenas procuram os dias amenos, os que muitas vezes e sem o notarem, tocam na sua própria brutalidade, e ainda sem o reconhecerem, a convertem numa arte.
Gosto disso, então.
Insistindo sempre nas palavras que também eu tento absurdamente escrever, sem um trago de talento que não sejam apenas rasgos sem polimento, tudo se conforma quando leio aqueles que escolhi como meu prazer pessoal, a elite que arrogantemente eu estabeleci como preferida, a que nem sempre suspeita dessa mesma escolha. Gosto do despudor descomposto e falsamente disperso dessa escrita tão genial nos monstros que me alimentam os dias, quase todos a ressoar do passado, o que aumenta a certeza de que estes não são os meus dias, de que faço parte de um outro tempo, bem como dessa minoria, perfeita desconhecida que escreve na sombra de mais um dia. Gosto descaradamente dos seus pensamentos cinzentos e violentos, da percussão em semitom dos seus corações quando deixam que se instale uma nebulosa de desilusão e fúria, onde é possível escutar a pausa do pensamento que rumina entre a implosão e a cedência da negação. É nesse preciso e precioso instante em que se abrem as primeiras palavras e rangem os dentes porque é Inverno, e o Verão não se atreve a uma aproximação, que gosto do balanço das emoções que certas pessoas - criaturas deixam transparecer, escuras mas não opacas, e algumas são até como eu na arte de recortar os seus delírios sombrios, apenas mais suaves nos rasgos, menos extasiadas por labirintos e abismos."
(Fleuma)
Escutar ...
Um joelho no solo ...
A cabeça reclinada ...
Encostada ao espírito ...
Sem adormecer ...
Que o sonho é sibilante apenas ao escutar da insónia ...
(Fleuma)