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São momentos como este que deveria preservar. Hoje, de verdade, desde esta noite, um sentimento de paz interior entrou em mim. Assim. Sem aviso. Uma vontade serena de pausar tudo o que faço. Parar de observar o que me rodeia. Impedir o catalogar de tudo o que penso e digo. Uma estranha ideia. Não precisar de escolher caminhos. Se o direito. Se o esquerdo. Apenas ficar quieto. Balançar neste ritual apaziguador. Será que é isto que sempre tenho perseguido? Esta paz que sei ser breve, apenas porto de abrigo numa vida cada vez menos vivida e mais insana, deixa-me frágil. Indefeso. Numa escuridão que, mesmo que procurada, não deixa de me cegar.
Mas este abandono, esta quase harmonia interior, é também e apesar de tudo, elusiva. Porque é uma escolha. A minha escolha. Não sei lidar com isto. Com esta emoção. E torna-se cruel. Insinua-se em mim, para maldosamente me voltar a abandonar. Sem aviso.
Pudesse obter um claro entendimento de mim. Saber, afinal, porque razão não me encontro mais vezes neste estado. Sei que sim. Saberia o que é ser feliz. Olhar desta janela, um céu cinzento e húmido, reduz-me a mera partícula. Por isso e ao aceitar esta condição, me sinto em paz. Será por isso? Mesmo? Esta caneca de café, sistemáticamente cheia, terá a mesma condição? Insignificância que se torna paz? Virtude?
Num mundo onde escolher parece ser o mais fácil, porque se escolhe o mais óbvio, esta sensação de paz torna-se utópica. E nem sequer me atrevo a disseca-la! Seria como esmagar um coração ainda a latejar. Como morrer antes de saber a verdade.
E o meu corpo também se ressente. Habituado à dureza do que a mente impõe, quase se torna autónomo. Sem as punições da mente, liberta-se. Descansa. Respira.
E esta paz talvez responda a perguntas muitas vezes feitas. Encerra tudo o que sempre percorreu a minha vida. As perguntas são sempre feitas por estranhos com quem me cruzo e que maravilhados indagam:" Porque raio tenho eu receio de me aproximar de alguém? Porque raio não confio em mais gente?". A resposta demorou a atingir. Mas a verdade é que todos os que disseram que comigo estariam, que não me abandonariam, se foram embora. Tirando pequenas e sóbrias excepções, esta é a verdade.
No fundo é como o morrer. O pior sentimento não é o da morte. Isso é definido. É a certeza de que não somos necessários. Que estamos sós neste mundo e muitas vezes, porque perdemos a razão para viver.
Mas isto, de qualquer forma mergulhou-me, pelo menos hoje, em absoluta e maravilhosa paz.