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O que nos mata realmente mais depressa são as recordações do que deixamos para trás. No meu desespero para me afastar do padrão, creio que vou perdendo muita coisa. Ainda não cheguei a uma idade física que me possa remeter à velhice, mas sinto-me imensamente velho na minha consciência. É como se um veneno caminhasse comigo. Torna-se díficil aceitar certas coisas. E quando chego a qualquer conclusão, a única resposta que obtenho aparece como uma pergunta - "Porque levaste tanto tempo a concluir isto?" Odeio-me por isso. Que satisfação posso ter? A frustração de pegar nos cacos e voltar ao mesmo.
Por intuição, reconheço que a solidão tem duas lâminas. A verdade é que nunca chegamos a ganhar nada.
Estar só, abre o horizonte. Podemos correr para onde entendermos. Ansiar por cada pedaço do mundo e não ter vergonha disso. Afinal, só nós interessamos. Só nós somos a única preocupação. Porém, também corrói a alma. Muitas vezes, a lágrimas rolam sem ninguém para as secar. A palavra "paixão" dita de forma solitária, nunca me deu a noção de prazer. Apenas um eco de emoção que gostaria de partilhar, não com muitos. Apenas contigo.
Estar no meio de um grupo nunca foi o que me interessou. Por certo tenho escolha. Posso rir ou ser o palhaço do circo. Mas nunca o faço. A necessidade de solidão é uma droga poderosa. Vicia e aprisiona. Mas estar muito tempo dependente dela deixa aquele véu de absoluta amargura. Fico sempre com a perfeita noção de que de onde me ausento, o tempo passa. As coisas mudam. E depois, não volto atrás. Vou ficando mais só. Sempre mais longe.
Tinha tanto para te dizer. Se ao menos conseguisse fazê-lo com penas em vez de punhais ...
Disse-te ... não, afirmei-te com toda a sinceridade, que estaria ao pé de ti. Sempre. Fosse pelo que fosse. Tivesses razão ( e muitas foram as vezes que não a tiveste) ou não. Lembro-me dos teus primeiros passos, pela solidão. As vezes que te ajudei a erguer do chão. Engraçado! Um mendigo tentando ajudar outro ...
Merda, até me lembro da nossa primeira bebedeira! Tão borrascas que estávamos! Nunca mais voltei a rir como nesse dia.
Quando coloquei a gaze em volta do pulso que golpeaste, desejei bater-te. Pelo desperdício humano. Porque tantos merdas respiram e tu querias seguir por outro caminho.
No teu choro, estive lá. Juntos, a um canto. Disse-te que comigo, não morrerias. E tu sorrias e repetias, sempre, que pelo menos só nunca estarias. Por onde eu ia, tantas vezes seguias ao meu lado. Os olhos abertos, uma vontade imensa de aprender. Reconheço, sentia-me menos só. Menos inútil. Até desapareceres ... E, estranhamente, fiquei alegre por ver que finalmente tinhas asas para voar. Afinal, criaturas como nós, nascem para isso, para fugir a uma falsa segurança.
Ver-te de novo não estava nos meus horizontes, já o sabes. Sou pouco amigo de esperar certas coisas. Mas que tenhas sequer pensado em ver-me, deixa-me intrigado. Segundo oiço, não sou a melhor companhia. Mas voltámos a estar cara a cara. Anos depois. Vi as marcas no teu corpo. O sorriso no rosto e a solidão nos olhos. Olha a porra da consternação! Há coisas que nunca mudam, não é? E o que fazer, quando me dizes que sabes o que é realmente solidão, desde o teu desaparecimento. E que tens tido os teus dias mais solitários, desde que me largaste a mão e começaste a viver rodeada de muita gente.
Cada vez me sinto mais e mais compelido a não tentar perceber porque razão a maioria das pessoas receia a Morte. Corro o risco de ser mal interpretado, diga-se. Eu respeito a vida. A nossa necessidade de procriar e dar continuídade aos genes. Mesmo que observe para onde caminhamos. Mas o que posso fazer? Se não consigo evitar esta minha visão soturna da vida? Se aos meus ouvidos ela não soa maravilhosa?
Se calhar porque me tornei neste ser, furiosamente objectivo. Não me interessa deslindar os mistérios do universo. Mas porque não admitimos o óbvio: pensamos ser especiais. Únicos. Eis-nos egocêntricos! Somos os melhores e mais racionais!
Mas, até nem se trata de retratar a vida como apenas desilusão e dor. Nem sequer lamentar a vida em si. Para mim isso não interessa porque é tão subjectivo afirma-lo. Depende da forma como se olha para ela. A vida. O que para mim é uma poço de água estagnada, para outros é o contrário. Por isso, cada indíviduo cultiva a vida como quer. Diferente de mim, que tantas as vezes a acho provisória e vazia.
Quem possa estar a ler as minha aberrações, que não esqueça, que esta é a minha visão pessoal. Não me interessa generalizar. Por isso odeio as mentalidades de rebanho, que tudo generalizam e vivem em alegria!
Mas não consigo deixar de odiar a precaridade desta vida. A incapacidade de reter um sorriso genuíno. Uma memória que nos torne maiores. Em vez de nos humilhar e debilitar. Na juventude e na velhice, o que é que vivemos, de facto? Trivialidades! Mascaradas de sonhos, para nós e para os outros. Enfadados e a tentar fugir e nós mesmos.
Confesso, acho que viver nem merece muito empenho. Dir-se-ia um aborrecido passatempo. E qual a explicação para que nos agarremos a ela com tanta força. Não acho que exista alguma. Pelo menos racional e puramente objectiva.
Na Morte, tão temida e infame, onde reside o mistério? E, já agora, a mística? Porque deverei tentar explica-la? A não ser para alimentar tristes cultos e esperanças idiotas.
A meu ver, a Morte é o final do ciclo da vida. Tão só. Nascemos, crescemos, procriamos, morremos. Animais. Nada mais.
Nesse ciclo, temos a opção de fazer o que queiramos da nossa existência. Até chegar a Morte. O fim.
Temer esta inevitabilidade é recusar o descanso definitivo. O Omega da desilusão. Assim, se calhar deveríamos antes, temer a vida e as suas incertezas.
Montaigne, dizia algo como isto, se bem me recordo: " Meditar sobre a morte é meditar sobre a liberdade; quem aprendeu a morrer, desaprendeu de servir; nenhum mal atingirá quem na existência compreendeu que a privação da vida não é um mal; saber morrer nos exime de toda sujeição e coação."
Termino com uma citação de alguém que muito admiro, André Díspore Cancian:
" Enfim, devemos acreditar em hipóteses que, atualmente, não podem reivindicar para si qualquer respaldo da realidade conhecida, que fazem de nós mesmos o que não somos — mas gostaríamos de ser —, apenas porque isso conforta? Ou devemos encarar a realidade e a natureza humana com honestidade, tais quais se apresentam a nós? A escolha é de cada um, pois ninguém tem a obrigação de ser ateu, cético, materialista, livre-pensador, niilista, racional, científico ou mesmo coerente. Mas, pessoalmente, fico com a segunda opção, pois meu desejo nunca foi simplesmente acreditar, mas saber, ainda que, para mim, isso signifique admitir-me ignorante, possuidor de um conhecimento que é sempre provisório. Mesmo assim, sempre preferirei a honestidade da dúvida; é ela que insiste em pôr em questão tudo aquilo que já foi solucionado; é esse o tipo de consciência que considero de primeira importância para que haja progresso em qualquer tipo de conhecimento."
Possa isto servir para a minha morte ...
Preciso de saber. Alguém me pode dizer, onde é que deixei o meu sangue? Será que foi onde, pela última vez rolei, feliz, pela erva abundante do Outono, o terei perdido? Não sei. Alguém me responde?
Ou então, se calhar perdi-me de mim. Se não terá sido isso. Distração causada por olhar o sol. Por admirar aquela luz, que nunca me aquece. Apenas me retalha o corpo.
Também o procurei pelas margens do teu rio. Vazias dele. Nos teus braços, mesmo dormindo, não consigo encontrar o meu sangue. Que se mantém quente. Que pulsa de vida. Num estranho respirar. Que não te será estranho.
Não posso chamá-lo. Não se chama. Nem sequer tem nome. Ou talvez tenha. O meu. Sim. Será o meu. Pois sempre esteve em mim. Nas noites de fúria. Em chamas por me alimentar. Por mim eclodiu, em mais um rasgo no braço. Pela exaustão do meu corpo viajou, quando me parecia o fim.
Mesmo rouco, estou à sua procura. Como poderei regressar a ti, sem pinga de sangue? Talvez me encontrasse. Se tivesse um nome.
Posso encontrá-lo. Sei-o. Se deixar que os teus gritos entrem nas minhas veias. Se mergulhar no teu oceano. E entregar as minhas lágrimas à correnteza. Sei.
Caminho nas chuvas frias de Outubro. Procuro. Cheiro. Sangue. Memórias e sabor. Sonho em ti. Por ti.
Saber onde fica o que antecipo. Quero voltar a respirar.
Não quero conforto e nem quero dar conforto a ninguém.
Apenas encontro nesta canção, verdade .
Nada se torna mais vital e sintomático do que a visão de uma tempestade que se aproxima. Por entre o sentimento da vontade de pura e simplesmente fugir, adiar inevitabilidades, ou a vontade de permanecer e sentir a sua força, vai uma enorme distância.
Procuro tempestades. Caço-as. Tento permanecer no meio delas. Caminhar por onde vagueiam. No sentimento de as pressentir. Aquele momento de antecipação e total rompimento com a realidade, é uma verdadeira prova de vida. Estou ali. Respirando. Olhos abertos, em espera.
Talvez seja por isto que pouco me interessa o Verão. Ou até a Primavera. Nunca lhes testemunhei uma tempestade que me fizesse ficar. Olhar em extâse. Em sublime reverência. No Inverno, tamanha é a força de uma tempestade! Pressentir ainda longe, toda a sua força, não será meramente um capricho. É vital. Vou ao encontro da chuva. Da trovoada. E sei que eventualmente, muitos gostariam de finalmente me fecharem numa masmorra. Sei que isto é coisa de loucos. Extremo. Acima de tudo solitário. Muito solitário. Mas para mim, é um meio para chegar a um fim. Viver. Sentir. Coisa que poucos fazem. Mesmo julgando que estão vivos e sentem.
Eu? Caço tempestades.
Neste recanto secreto, mundo bizarro
de emoções feito,
onde crescem sonhos, absortos em si
caminho por estradas antes criadas, antes forjadas
E vejo o que deixo para trás,
cortadas as desilusões e as malhas da paixão
em brevo volto a tudo reencontrar,
pois não pretendo falsa consciência do que sou,
apenas permanecer assim, envolto nisto
Tu baixas a voz, num sibilante sussurro
porque estou exposto, na escuridão
no amâgo do vazio,
por isso deixa que aqui fique
na penumbra do dia
Deixa que aqui fique, e renasço de novo
deixa-me neste Vazio, Nada
assim me abro para a morte, só
esta será a minha verdade,
por Fim, a Salvação que chega...
Dias como este, fazem-se lamento
memórias assim, tornam-se constantes
Por momentos julguei alcançar o brilho, distante
ainda que só almejando, perdi a direcção.
Por uma vez, transformar uma noite sem luar
em fonte de vida, ilusões em delírio!
Mas afinal, não
uma farsa se me apresenta.
Abrir a boca, soletrar
sorrir num breu nefasto,
Gemer por sons surdos,
esventrar uma e outra desilusão.
Se adianta, posso gritar
penar de novo, por outra e outra causa
Se pudesse vislumbrar uma esperança que fosse,
a este recanto não voltaria.
Por escrever formulas, todas fatais à minha carne
sei que irei partir, deste recanto negro
destas páginas feitas dor,
E voltar a outros locais. Que sempre foram meus.