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Existe sempre o carpir sinuoso dos dias que se arrastam e sempre, inevitavelmente, se esbatem nos finais de tarde que se iniciam passeando o cão rafeiro de pelo castanho e branco. Não mora no pescoço do animal uma coleira há anos. Embora a tira da trela entrelaçada entre os dedos da mão seja companhia de todos esses finais de dia. Dorme, no entanto na mão, estranhamente frágil e inútil.
Não consigo abstrair-me deste passeio habitual, ora entre as chuvas frias que parecem ser o corolário da sua expressão absorta, ora porque sempre confirmo como é raro o brilho solar neste local. Porque não sinto o calor deste astro e nem ele, que mesmo perante o seu brilho opaco, encolhe os ombros e tem frio.
O rafeiro segue ao seu lado como se carregasse parte do seu peso em melancolia. O que sei, pouco, apenas aprofunda a minha maquinação. O cão é companheiro de todas as horas. No calor e no gelo. No pedaço de tronco escuro que lhe atira para que o devolva em mão, junto ao banco de madeira em que se senta.
Observo, porque não consigo deixar de o fazer. Quanto mais silencioso estiver mais doloroso é o que vejo. E quanto mais olho menos acredito em deus. Este passeio a dois desperta uma solidão fria e violeta. Consigo ser seguro o suficiente e jurar que são ambos estrelas pálidas. Se eu fosse um pouco menos idiota, ligeiramente menos torpe de emoção, acederia a uma comoção. Não seria o suficiente para afastar a fria noção de desespero que parece ser perfeitamente natural que observe. Mesmo quando é sabido lá existir e outros escolhem ignorar ... Deveria fazer o mesmo.
Mas não. Não verto uma lágrima. Em vez disso, idiota e torpe, deixo-me estar sentado. Um pouco mais afastado.
Mas não. Prefiro ruminar na inutilidade da solicitude de quem está só e não o quis estar.