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É fácil, demasiado fácil, cultivar a arte de desaparecer; e mesmo que alguns transformem essa arte num oficio exímio, numa virtude quase intangível, com o tempo e a prática, depressa se consegue desaparecer. É fácil. Fácil.
O que nunca é fácil é aceder à virtude que aceita a inevitabilidade de uma promessa não cumprida. O prometido que não é cumprido não cria em nós apenas um espaço que desaparece, é um fosso que cresce em círculos de solidão indesejada. Senão, porque razão uma mãe aceita de forma cega e obstinada a promessa de que a vida de um filho será mais longa do que a sua? Senão, porque razão, não cumprida essa promessa, se transcendem todas as fronteiras do mais racional e pragmático aceitar do fim inevitável, transformando-se num abismo tão pessoal que se torna inexpugnável? Quando algo que sempre julgámos nosso por promessa desaparece, muitas vezes, demasiadas vezes, porque alguém se tornou mestre nessa arte é ainda mais cortante, porque a desilusão que nos abraça é um veneno em que apenas um ignorante cego não pressente o labirinto onde acaba de entrar.
Eu não consigo esquecer uma promessa feita, por mais insignificante que seja. Recuso-me a não cumprir o que prometo ao ritmo de obsessão. Não me esqueço e não perdoo uma promessa que me foi feita e não cumprida, porque reconheço o caminho do fosso - mesmo sabendo que sou um artificie nessa arte de desaparecer. Tudo o que nos resta é uma exposição sem abrigo à tempestade; um olhar de animal assustado em volta.
Creio que quando a nossa existência se agarra desesperada a uma promessa feita por outra pessoa, e afinal, tudo o que fica, são ecos e um vazio desprotegido, esse é o verdadeiro teste da nossa capacidade de sobreviver a um desespero que não tem rival entre outros desesperos.
Uns tombam de frente em rendição.
Outros rasgam e arrancam o pedaço negro que ficou plantado mesmo que isso signifique existir envenenado.
E a arte de desaparecer acaba por se transformar muitas vezes naquela minúscula centelha que aponta a saída.
(Fleuma)