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As minhas paixões são como chaves presas em fechaduras - aguardam apenas um primeiro, por vezes suave sintoma, para atear fogo aos dias e noites. Alguém me afirmou solenemente que seriam a minha derrota e queda. Talvez porque consomem muito da minha raiva, do meu ódio e principalmente da minha adoração - às vezes excessiva.
É estranha a melodia que entoa entre uma paixão e outra. Consigo, apaixonadamente, olhar-te nos olhos e afirmar-te que nada neste mundo permanece eternamente; tenho a certeza da verdade axiomática, tudo o que adoramos e odiamos acaba por morrer; da inutilidade e razão de continuamos a tentar teimosamente rezar perante um Deus de Nada. Surdo.
Consigo.
Como se estas fossem paixões últimas e definitivas.
Mas há outros olhos e mais palavras à minha frente que não aceitam despedidas; nem sequer últimas palavras. São como paixões com o sabor requintado de um vinho temperado pelos anos e colheita experimentada. São a negação aos meus instintos mais espessos. O rodar exímio da chave.
Os afectos tangíveis são os mais violentos para a alma. O Universo retém o suspirar no preciso instante em que a palavra "amo-te" é sussurrada ao meu ouvido. E a ponta da língua húmida embala o meu ouvido e os meus sentidos. Tudo em estado puro.
Quando, nos dias em que o céu está claro e a terra cinzenta, me sento no patamar das escadas e coloco os pés de botas pesadas em cima corrimão, deito o corpo para trás e vou bebendo lentamente o café negro e a arder, enquanto aspiro o odor intenso do amanhecer violento e frio do Norte, apaixono-me uma e outra vez pela solidão daqueles momentos em que tudo se silencia ainda. Esta é a paixão do egoísta mais expresso, onde tudo se torna possível pelos sonhos. A mais perigosa das paixões, porque é senhora e ciumenta.
Podemos não regressar desta paixão e solidão.