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Penso que o conceito de luz no escuro também se pode aplicar a mim. Uma forma rara de dissonância que surge entre os farrapos habituais e que desafia a minha lógica mais enraizada. São as notas de um piano a destoar entre os ritmos pesados e a atmosfera cinzenta. É a rajada de vento quente que quebra a neblina fria do norte. Tão doce como a nata da fruta mais madura saboreada em dias de sede e esquecimento.
Tento que este traço de luz fique escondido, entre a saudade e a memória que me irá fazer companhia nos dias que me restam. Não o esqueço porque se torna inevitável que regresse ao lugar onde resta uma ínfima réstia de felicidade real.
A estranha capacidade de iluminar velhos pecadores é uma reserva rara. Preciosa até ao último pulsar. Senti-la é como rescrever todas as notas julgadas definitivas, de mão trémula e inquieta. Para mim é dolorosa esta piedade inconsciente, porque me canso de tantos passos dados sem as mãos levantadas. Como um cego. Afastando-me do meu conforto entre muros e janelas fechadas ao sol.
Talvez seja urgente aprimorar a chave que roda o ferrolho do cofre que esconde esta luz. Diminuto fragmento de tempo que é minha obsessão guardar. Egoísta e nunca saciado.