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Existe um elemento vital nessa beleza que a torna quase etérea aos meus olhos. Seria melhor para mim aceitar este facto e sentir toda a alegria do olhar e da presença.
Mas não.
Porque sou como um pesado Urso olhando pelas franjas da minha falta de jeito a sinuosa Pantera que parece caminhar sem chão, leve e quase arrogantemente displicente. Como se eu fosse uma rocha incapaz de algo que não seja força. Força para me mexer. Esforço para me levantar e erguer o queixo. Forçar à força.
Por vezes fico cristalizado na minha própria decadência. Rendido ao instinto primário de quem olha impotente, incapaz de outro gesto de salvação que me ajude a dispersar a magia de certos momentos, que sei perfeitamente serem únicos e nunca mais reproduzidos.
É parte fundamental do olhar não deixar que se esqueçam gestos que parecem pertencer unicamente ao cardápio de certas criaturas talvez não humanas; como se tais gestos fossem propositadamente expostos aos meus olhos cansados para despertar em mim a frustração.
Os meus sentidos descrevem, sem alarido, a esquemática dessa beleza, quando ela se inclina com a velocidade do vento e apanha o copo de vidro em pleno ar, antes deste se desfazer no chão, colocando-o, quase sem interesse, de novo em cima da mesa, enquanto com a outra mão suavemente puxa o cabelo longo e denso para trás de uma orelha.
Neste momento raro e único, nos gestos felinos e estranhamente silenciosos, se humilha a força. No sorriso rasgado de quem sabe dos seus caminhos, na mais perfeita noção do medo masculino: A confirmação do equilíbrio mecânico do corpo quase imponentemente belo aos meus sentidos, com a inteligência que transpira daqueles olhos intensamente femininos, que transforma tantas vezes a criatura que é o masculino. Fraco e desajeitado. Inábil.
Permaneço tantas horas neste absurdo estado de embriaguez enquanto vou solicitando mais e mais reservas da minha rendição, sento-me ao seu lado enquanto dorme. Vigilante na sombra da noite que vai longa. Sinto que respira suave porque afasto com mãos grandes, tentando ser leve como ela, os cabelos da sua face delicada, vou enchendo a minha insónia com a atenção e o medo, enquanto guardo aquele sono que não é meu mas que desejo proteger.
Do quê? Pouco me interessa naquela escuridão.
É como guardar o mais precioso e belo que tenho. É como se afinal tudo faça sentido e também exista algo de belo na ideia da força como protecção na fragilidade da Pantera.
Não sei.
Mas sei que nesta beleza mora a resposta para esta necessidade quase sufocante que sinto de a proteger. Mesmo sacrificando os meus instintos mais básicos. Contra a minha natureza mais elementar.