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" Auf der Schwelle ... "
Alguns afirmam que a morte representa o final, determinado pelo fim físico. A falha dos órgãos vitais é um pacto máximo com a realidade: no coração que não bate escreve-se o fim absoluto.
Discordo.
Sei que não é uma verdade absoluta. As verdades absolutas são muitas vezes casulos de merda que a cultura humana se encarrega de transformar em potentados de nada.
A morte começa demasiadas vezes muito antes do coração ceder. Em pequenos passos de esquecimento e deriva como um barco abandonado. A verdadeira morte tem a mestria de impor o esquecimento na mente humana para que o corpo se torne numa ridícula concha vazia. Talvez ainda exista respiração ou raros momentos estampados numa claridade racional mas serão preciosos porque deixarão de ser definitivos.
E isto é a morte despida em absoluto êxtase! Esquecimento completo onde deixa de existir a capacidade de sorrir, de odiar, amar e principalmente de sonhar. Encerra-se o reconhecimento dos detalhes da expressão de quem viveu e sonhou connosco por décadas. O coração bate numa concha solitária que vai perdendo a esplendor dos verbos, do palmilhar terrenos, até que finalmente se deixe de lembrar porque raio bate aquele órgão que justifica a respiração.
Esquecimento demente não é um poema ao fim da vida. Apenas mais um discurso fúnebre pejado de imperfeições e detalhes de humor cínico. Ingrato. Nojento!
Mas gosto de encontrar consolação naquele sorriso firme de homem intenso, que matutava na ideia de Multiverso com a mesma intensidade com que retirava as bolachas do forno preenchendo cada recanto da cozinha com o cheiro divino da canela e do cacau em pó.
E talvez num desses seus Universos não exista quem se esqueça do que foi antes de morrer.
Onde as horas sejam passadas em longas conversas pela noite dentro. Onde nunca falte o café mais negro nem as bolachas de canela e cacau.
Molhadas: sempre afogadas no liquído negro e deixando que se desfaçam no palato.