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A morte tem um estranho fulgor nos momentos em que conseguimos escutar o último suspiro de outra criatura. Estranhamente, é mais, muito mais, do que imaginamos. É muito mais esmagador escutar esse ponto terminal incapazes de rezar, retendo a respiração como se fosse nossa a vontade de acompanhar, abraçar apertado para que não escorregue de nós, enquanto cedemos ao instinto de aceitar a inevitabilidade.
E a morte acaba por ter a cor de um certo desespero astuto do que sabe a triunfo, um sabor a traição para quem fica, uma saudade tão presente que, acabamos por testemunhar, acabará também por nos assassinar lentamente.
Talvez não se devam lamentar os que morrem. Talvez já estejam junto aos portões de Valhalla. Pode ser que a existência até tenha sido imensa, de uma libertação cega, mas fica um vazio sísmico impossível de encher. Um rancor por palavras não expressas, uma gargalhada que não apareceu no momento certo, uma ausência interminável.
Estes são dias de viagem e cada vez maior distância. Tanto para dizer e tanto tremor para o fazer. São artefactos de uma solidão que parece pintar a minha vida com uma estranha beleza. Assim mesmo. Como se colocasse uma chama muito especial em todos os finais de tarde e o ar da noite ficasse mais fresco. Sinto o peso da culpa porque sinto a saudade e o vazio de quem já não está ao meu lado. Penso no significado da dor que sinto. Sei que, como sempre, a dor é pessoal. Pertence-me. Provavelmente a única, verdadeiramente única, coisa que me pertence. Por isso, fecho as portas para que as memórias não fujam. Acorrento o que me resta. Até o seu fantasma.
Egoísta. Em arrogância.