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A esperança é velhinha. Tão velhinha que prefere esconder-se dos olhos alheios, enquanto permanece silenciosa e surda para os dias que passam, como correntes de ar que prefere evitar. A esperança é velha e doente. Fraca e caprichosa.

Mas eu gosto de a procurar nos seus esconderijos. Gosto de pensar nela nos dias em que consigo ajeitar o tempo e descansar; nestes dias preciosos porque escasseiam em mim, sento-me nesta cadeira que abana sem ruído e pergunto-me por onde caminhará esta velha  decrépita. Para o descrente pouco impressionado a esperança é um prazer raro, secretamente obsceno e escondido nas sombras da alma. Como uma presa debaixo do peso austero do predador, apenas por breves instantes respira e regressa taciturna, e eu gosto de lhe abrir a porta.

Às vezes são chaves que abrem a fechadura forjadas em estranhas alquimias; por vezes palavras escritas por punhos de aparência frágil que  transformam Universos e onde ao longe, bem distante, brilha a centelha envelhecida de uma qualquer vaga esperança.

Ou então, no mero sacudir de sombras, rompendo o silêncio, invadindo os meus espaços com o estranho néctar da companhia. É neste labirinto que mais se torna dolorosa a esperança em mim, porque se afastam as horas sombrias que amo e surgem traços grossos de luz  que vão iluminando outros caminhos. Vou abanando a cadeira assustado - porque a esperança em excesso personifica um rasgo doloroso na minha armadura.

Sentado na cadeira de baloiço silenciosa, gosto de envolver com os dedos a chávena de café  densamente negro e a escaldar, enquanto escuto os passos esperançosos, em silêncio. Temo que qualquer som a faça abandonar-me para sempre. Receio não conseguir regressar à nostalgia de me sentar ao teu lado, junto ao mar, enquanto escutas o murmúrio das minhas notas retiradas do catecismo de sombras que tanto amo.

Nestes minutos raros e únicos no seu sabor sou um animal agachado que sente a leveza em cima dos ombros, ainda que sejam apenas breves momentos, deixo que sussurre ao meu ouvido as suas preces e feitiços.


2 comentários

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amorlíquido 13.01.2021

Feliz descoberta a deste espaço! Dos cantinhos mais diferenciados que encontrei e cuja escrita nos entra por todos os poros.

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Fleuma 13.01.2021

Agradeço.

A companhia torna tudo muito mais tolerável.

Saúde,

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