Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Foto: Stastie
* Sintomas do Universo ... *
Soube da morte do velho merceeiro há poucos dias. Estranhei a ausência dos seus passos indolentes durante as últimas manhãs, habituado a ver a sua passagem durante o meu ritual matinal antes de adormecer. Também estranhei ver a velha mercearia enfiada entre dois prédios altos de entradas circulares onde o velho merceeiro assentara arrais desde que a eternidade se lembra, fechada.
Sei que se apagou para os lados da baixa lisboeta e de uma maneira rápida e eficiente; como se a morte tivesse sentido de dever e a hora do velho largar amarras chegara. Caiu fulminado e sem um gemido, dizem.
Há uma displicente perda na sua ausência e passar de manhã bem cedo em direcção à mercearia. Uma brisa de conversa que mantínhamos entre os biscoitos de canela com geleia da terra oferecidos e nos cafés em chávena a escaldar que eu transportava para dentro da loja. Uma ligação que não passa por palavras óbvias enquanto percorria os labirintos entre taças de plástico, garrafas de vinho e uma arca de frio que sempre tinha para mim os congelados mais bizarros. Deixar que os odores do tempo dos morangos e das maçãs verdes se misturasse com as laranjas pequenas de sabor cristalino.
Ouvir o que contava a sua consciência entre palavras de quem avançou sem muitas letras lidas e mesmo assim rebaixando muitos que sabem ler sem ver a imbecis, só era superada pela claridade que entrava a jorrar pela mercearia mesmo em dias de escuridão chuvosa.