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A parte mais fácil é registar a queda. Existe quem tente a estratificação desta condição e termine sempre com a mesma soma de valores: justiça poética. Como uma espécie de prerrogativa e consolo para quem se bateu e perdeu em derrota.
No fundo, todos gostamos de imaginar uma justiça para quem foi vergado em submissão e de maneira férrea; nem que seja pela ideia de poesia e como se tal fosse capaz de evitar a dura realidade de quem foi submetido sem nunca ter tido realmente uma porção, ínfima que fosse, dessa saudosa e generosa arte de guerra que se chama orgulho pessoal. Registe-se uma inefável incapacidade para morder e destruir e apenas sobram as santificações dos dias que acumulam erros e ódios cegos.
Não me dá um expressivo prazer registar o cair de quem, mesmo quando cai, ainda assim não provoca um som que seja. Porque sempre foi leve na sua existência e porque por mais que tente nada ficará registado desta sua passagem entre as linhas. A queda era previsível mesmo que banhada pela ilusão de resistência, tudo o que resta é uma fuga para um qualquer poço existencial; sempre tão generosamente confundido com abrigos e virtudes.
O que me fascinam são os passos, sistematicamente projectados a distâncias superiores ao seu pobre alcance. São um descer degrau a degrau para uma inevitabilidade que não se aceita, até cair. Fascina-me o processo de rasgar a carne; um golpe nas costas e outro na perna. E por fim o sacramental rasgão no tendão de Aquiles que termina com todas as ilusões. Não me interessa o resultado. Sim o processo.
Acho pateticamente bizarra esta ternurenta opção dos que se sentem culpados na observação da queda de certas criaturas; justiça poética para quem cai porque decidiu errar de maneira metódica e imbecil. Julgando os outros e assumindo a figura de juiz benevolente. Nunca conseguindo compreender e interiorizar a causa e o efeito.