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Existe uma distância colossal entre a miséria pessoal e a coletiva. Uma outra galáxia e órbita entre o orgulho pessoal e muito próprio, e o prazer do encanto amoroso pelo coletivo. Em dias como estes, quando todos os pensamentos parecem apenas oferecer generosamente atenção para as ações de um farsante que julga ser o rei do mundo, mal acompanhado por um velhote burlesco e corredor, onde se vão pontuando, como quem come mais uma pipoca do saco, as últimas figuras da pandemia, é quase grotesca a nossa capacidade de esquecer outros. Uma grande maioria silenciosa que continua a morrer longe  dos hospitais e da ordem para circular pela direita, usar desinfetante nas manápulas e respirar para dentro.

A visão de túnel é um demónio sedento de atenção e deixam de existir outras doenças. É como se este não fosse um mundo racional; como se a importância de perseguir outras, novas ideias, nada mais fosse do que um suave agastamento que depressa se atira para trás, em nome da última tirada imbecil de um ranhoso de torpe cabeleira.

Tomo ainda notas nesta margem que cultivo na minha consciência - os meus demónios não são os teus; nunca o serão. Mas recuso-me a aceitar que a minha individualidade, a mais preciosa das minhas posses, seja intimada a aceitar a derrota! Não aceito deixar que os meus olhos se tornem negros pela paranoia do confinamento, enquanto vou questionando a minha sanidade e quanto mais irei aguentar estar fechado a olhar para a televisão.

A Individualidade é uma mãe sinistra, muitas vezes implacável, mas intensamente generosa nos olhos que se abrem à imbecilidade que é tão nossa! Tão humana.

 A miséria pessoal não se chama covid 19. Nem Trump ou Biden. Muito menos se compadece com a nossa fraca capacidade de resistir a táticas de rebanho. Ironicamente, é quase poético o nosso desapego a uma verdade tão evidente. Existem misérias pessoais e purgatórios desnivelados por tumores sem tratamento, velhice abandonada e solidão depressiva que nunca deixaram de habitar em nós. O desespero não tem nomes de pandemia ou de políticos decadentes. Mas tem cor. E para mim é vermelho como a minha raiva e o meu desprezo pelo abandono e esquecimento. 

Este pensamento vindo de um individualista egoísta que deixou de acreditar em democracias chega a ser caricato. Amargo mas caricato. E deliciosamente irónico.

 







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