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Descobrir aos 13 anos, friamente relatado por um médico local que tresandava a álcool,  que muito possivelmente o meu futuro de adulto não seria um paraíso físico normal, que pela forma como se apresentavam as consequências, transformariam a minha vida numa penosa e lamentável jornada, serviu, em muito, apenas para cimentar a minha necessidade de entender o sofrimento. Não a possível dor mental, que nasce em nós e nunca se esvai. Apenas na morte. Antes a física. Algures, o relato médico, hostilizou o meu orgulho. Mesmo que apenas fossem 13  anos, depressa comecei a matutar o que deveria e iria fazer. 

 

Talvez seja revelador do que sou. Não pretendo afirmar o contrário. Mas creio que já nasci assim. Incapaz de aceitar certas realidades. Temos de ser capazes de criar o nosso próprio mundo. Estabelecer regras e aceitar as consequências. O orgulho, por vezes cego e filho da puta, sempre me ajudou a aguentar e até aceitar a dor. Não porque assim tem de ser, mas porque não é possível evitar. Simplesmente por isto. E eu próprio me tornei perito em auto punição. Quando não dói é preciso que o faça acontecer. Sim, irónico mas verdadeiro. 

 

Para superar as minhas limitações físicas, para alem de estudar e continuar a varrer livros, decidi tornar-me forte. Fisicamente forte. Há anos que levanto pesos; cego e surdo ao bradar dos médicos. Imerso no meu universo. A fraqueza muscular já deu o seu lugar ao músculo denso e potente. Tem sido doloroso. Dolorosamente debilitante. Mas a vitima fraca e débil que passava os dias debruçado nos lençóis converteu-se, como outrora alguns gostavam de afirmar, na besta irreconhecível! Já não anda dobrado e vergado. Caminha erecto e ( como sempre...) orgulhosamente capaz.

 

Tenho afinidades sinistras com a dor. Deixei de fugir dela e creio que a aceitei quase como senhora de mim. Decidi tatuar muito dos meus últimos anos de vida. Ainda não foram vividos muitos, mas já deu para preencher os braços e quase estar a terminar as costas. Duplamente doloroso já que tatuar massa muscular excessivamente desenvolta é quase tarefa homérica. Porem eu quero que seja e se faça assim. Desenhar extensões tão grandes é, garanto por minha experiência pessoal, aprender um catecismo de dor que transfigura e remete a uma humildade humilhante. Apenas o orgulho genuíno persiste na febre que assalta e debilita a cada traço. Por isso só consigo rir quando oiço alguém desejar uma tatuagem, já que é moda ter uma "coisinha gira" num tornozelo e esquecerem que deveria ter um significado. Não apenas decorativo. A punição física e mental que aceitei e continuarei a aceitar tem um motivo e uma essência. Conta uma história ainda curta mas que é preciso que eu recorde. Quando me sinto a fraquejar e a fugir, basta que me dispa e depressa recorde.  

 

 







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