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Sou uma criatura absolutamente convicta da importância dos sentidos. Quanto mais eu conheço pessoas mais me deprimo pela perda de uma faculdade como a observação, o cheiro, ouvir e o saborear. Abusa-se do toque. Apenas isso.
Creio ser irritantemente observador. Pequenos pormenores, tantas vezes executados todos os dias, são uma fonte de precisão matemática para os meus olhos. Gestos e expressões executados sem pensamento revestem-se de preciosidades paradigmáticas para vampiros observadores.
O erguer de um corpo do outro lado da cama banhado pela luz exterior dos dias cinzentos; as mãos delicadas levadas atrás apanham os cabelos longos e fartos, como se propositado para que as costas sejam admiradas em todas a suas saliências que se precipitam numa cintura assassina; antes de se erguer da cama, sempre e invariavelmente sem ruído porque criaturas existem que são panteras em excelência, provoca o espasmo de adrenalina máximo, rodando o pescoço branco e esguio, emitindo estalidos apenas escutados por ouvidos privilegiados. Nada se compara a este momento. Eu não teria remorsos e mataria por este momento apenas.
Tudo se revela compulsivo para os meus olhos admirados. A capacidade felina de movimento sem ruídos desnecessários, como se o chão não fosse seu. O cheiro a ervas nórdicas que resistentes crescem entre os blocos de gelo e que lembram os raros dias de sol, emana do cabelo lavado, provoca um ardor requintado nas narinas. Existem personificações que muito bem poderiam justificar existências onde a criação de mitos foi beber inspiração. Equinócios de energia bruta e perfeitamente capazes de ferir bestas rudes como eu.
Os esboços criados por criaturas passionalmente vorazes por atmosferas, experimentados na alquimia de fogo primário e franjas normalmente ignoradas pelo olhar comum, não conseguem prevenir o portento de observar na distância de um braço esticado, um corpo absurdamente ágil apanhando um copo de vidro em pleno ar e antes que este rebente em mil farpas no chão, sem que uma pinga de líquido precioso se derrame; que termine este rasgar de sentidos com o respectivo depositar do objecto em cima da mesa, de novo, com um ínfimo som, enquanto vai inconscientemente, atirando um grosso fio de cabelo para a nuca. Neste preciso momento, orgástico e aterrador para criaturas de sentidos apurados, as leis da física são ao mais baixo possível. Zero absoluto. Um fluir estético e inconsciente desta envergadura carboniza de maneira impiedosa qualquer outra forma de arte dançante. É como se eu fosse um grande urso impotente perante a destreza desmoralizante de uma pantera que se revela desconhecedora do martírio causado nos meus sentidos.
Uma arte aprimorada por quem não tenta destruir muros forjados na solidão e desconfiança de anos. Antes prefere saltar por cima destes. Que conhece a cor do individualista e mesmo assim prefere vestir as minhas camisolas, tirando prazer em sentir nelas o meu cheiro. Uma absoluta invasora que sistematicamente usa os meus óculos escuros preferidos, troca o borrifo do seu perfume pelo meu e impunemente prefere beber pelo meu copo e comer do meu prato, enquanto se senta em cima das minhas pernas.
São demasiadas as vezes que recolho as minhas mãos, acho-as demasiado grandes e agressivas, escondo braços grossos e densos, tremendo no receio de quebrar uma preciosidade única. Sei não existir outra assim no mundo. E eu não tenho espaço para muito mais.