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Pintura em sangue, Maxime Taccardi

 

 

(999)

 

Todos os sinais estavam presentes. Hoje, ao final destes anos todos, sei que sim. A luz acendeu-se pela força do hábito. Pelo sistemático observar e reflexão da frase que decidi marcar no torso: como cenotáfio para recordação do que passou. Esforço para lembrar o que sempre me pareceu absurdo e sem justificação. Mesmo que nas horas mais sombrias, quando a escuridão não me esquece, olhar as palavras escritas a vermelho sangrento nada mais seja do que abrir a porta de mais um labirinto.

 

Mas haviam sinais e eu estava cego. Sem ver entre os véus da descoberta exposta em frente aos meus olhos. Na beleza jubilante da justificação da sombra e da escuridão. Nas palavras ditas e ainda hoje acreditadas, cravadas fundo e abanando tudo em que acredito. Estava ébrio nos mergulhos e oceanos nocturnos cobertos de gelo. No vinho que desperta o filosofar mágico de quem vivera muitos anos, mais do que eu, e mantinha o brilho dos olhos de  esfomeado.

 

Não estou desiludido. Sei algo de demónios e arquétipos; sei que alguns são mais implacáveis do que outros. Que não dançam todos na mesma marcha e não se alimentam da mesma forma. Uns são mais vorazes do que outros. Mas estão lá, entre a penumbra e a sofreguidão dos dias.

 

Aceitei a saudade e a perda. Um imenso clamor existe agora no eco da cratera criada. É obscenamente tranquilizante  a magnanimidade de tudo terminar num gesto apenas. No poder absoluto e final de decidir o fim; talvez abrindo a porta a uma sombra que sempre esteve presente. Um demónio que apresenta as mãos abertas e deixa a decisão no coração; existir deixa de brilhar e justificar sentidos.

 

Foi a última vez que falhei a resistir e deixei que o choro fosse o recurso final para justificar o desespero de quem, subitamente, se encontra só. Talvez até tivesse pensado nisso, porque me conhecia melhor do que um pai, mas deixei de ter qualquer vontade de chorar. Mesmo perante a mais sórdida realidade.

 

Pode ser que seja algo imperdoável mas é a merecida punição pelo êxtase da cegueira. Dos sinais que estavam lá.

 

Sei disso hoje e ao final de anos. Das horas de descrença e contemplação de palavras cravadas no peito para que não fujam e eu esqueça.

 

 

 







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